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Os 200 Melhores Álbuns da Década de 2010

Os álbuns que definiram a década, estrelando Beyoncé, Elza Soares, Fiona Apple, Frank Ocean, Janelle Monae, Kanye West, Kendrick Lamar, Lana Del Rey, Lorde, SOPHIE, Taylor Swift e muito (muitoooo) mais!

POR: SoundX Staff

, EM: 01/08/2023

Olhar para o início dos anos 2010 e refletir sobre as mudanças que ocorreram durante esses dez anos é meio assustador. No começo da década, computadores de mesa e laptops ainda eram o caminho mais óbvio para acessar a internet, enquanto smartphones ainda estavam dando seus primeiros passos na sua popularização e o tablet era a próxima “grande coisa” da tecnologia. A televisão tinha um papel fundamentalmente mais forte e presente na vida dos jovens, mas logo seria trocada pelas redes sociais — que nessa altura foram tantas que não cabe mencionar todas. Serviços de streaming de música, filmes e séries pareciam um sonho impossível: pagar uma mensalidade para ter conteúdo ilimitado? Honestamente, bom demais para ser verdade. Então, os CDs e DVDs coexistiram com os downloads digitais por mais um tempo. Por outro lado, a invasão de privacidade e dados nunca foi tão grande e o futuro nunca pareceu tão ambíguo: “As AIs vão nos matar algum dia?” é uma pergunta que fica mais válida a cada momento. Mas, sinceramente? Foi um ótimo período. 

Nos últimos oito meses, a equipe da SoundX e um conjunto de colaboradores externos confiáveis embarcaram numa tarefa que parecia esmagadoramente difícil: cobrir esses dez anos e tentar ponderar sobre quais foram os melhores e mais importantes lançamentos musicais. Foram diversas sessões de votação, várias planilhas complicadas, documentos extensos de dezenas de páginas, incontáveis e-mails enviados e recebidos — e muitas horas não dormidas. Porém, embora cansativa, foi igualmente revigorante revisitar álbuns que — pela quantidade massiva de lançamento que temos que ouvir, bem como os clássicos que ainda precisamos descobrir — se perderam em meio a  pilhas de memórias e poeira. Mais energizante ainda, todavia, foram as discussões sobre como essas obras influenciaram trabalhos posteriores — e como continuarão influenciando nas próximas décadas. Logo, uma tarefa que parecia impossível e um sonho distante, se tornou apenas um lembrete do porquê amamos e nos importamos tanto com música — e também uma forma de celebrar os dois anos de existência da SoundX. No final desse processo, foram 40 escritores diferentes discorrendo ao longo de mais de 35 mil palavras sobre o porquê esses serem os 200 melhores registros da década de 2010. — Leonardo Frederico

200

Big Thief: Two Hands

Two Hands foi o segundo álbum que o Big Thief lançou em 2019, e como o que aconteceu com todas aqueles artistas que lançaram dois discos em menos de um ano — David Bowie em 1977, Prince em 1985 e Bruce Springsteen em 1992 —, esse é menos inventivo que seu antecessor, mas isso não é nenhum demérito. Diferente de U.F.O.F., Two Hands, o tal “irmão-Terra”, se contenta em olhar para o seu próprio redor e espaço, explorando o significado das coisas que realmente importam, ao invés de tentar ponderar sobre a existência em si. Essas são faixas calorosas e aconchegantes, de corpo presente: “Forgotten Eyes” é cativante e penetra naqueles que se perderam na memória, ao passo que “The Toy” é uma metáfora para o fetiche armamentista norte-americano e “Not” trabalha com crescendos de percussão e cordas. Two Hands não é, nesse sentido, sobre a vida em sua substância completa, mas sim sobre a vida do curto mundo ao seu redor. — Leonardo Frederico. 

199

Tim Bernardes: Recomeçar

Recomeçar, de Tim Bernardes, além de excelente álbum de MPB brasileiro, é o melhor interlocutor da importante (e pouca conhecida) mensagem sobre como iniciar novas jornadas. Lançado em 2017, pelo selo da gravadora Risco, Recomeçar encantou a várias pessoas mundo afora. Suas composições dóceis, dolorosas e familiares para o público — por conta de seu forte apelo simplista — atingem as regiões mais profundas e íntimas do indivíduo e o faz refletir sobre a realização de uma mudança a partir do sofrimento sentido enquanto a isso. É um álbum honestamente genial, que surpreende e cativa pela sua fascinante característica de não precisar fazer uso de nenhum grande artifício sonoro para comunicar sua mensagem, apenas uma voz e algumas passagens de violão e piano impressas na melodia. — Bruno do Nascimento.

198

Sufjan Stevens: The Age of Adz

Longe da correria das ruas de Chicago, Illinois, Sufjan Stevens entrega o que seria o seu mais pessoal e obscuro álbum até então. Ele já vinha experimentando desde seu barulhento trabalho pouco estimado Enjoy Your Rabbit (2004) e The BQE (2009), quando surge com seu glorioso The Age of Adz, lançado em 2010, revigorando seu espírito cativante e arrebatador de temática peculiar. Neste, reflete sobre o amor, solidão, sexo, mazela e cura em arranjos ambiciosos e escandalosamente carnavalescos, liricamente rompendo com seu storytelling ímpar. Stevens evoca uma ancestralidade e desejo incessante de estar são, seja pelo arranjo desesperado de “I Want To Be Well” que reflete o estado mental conturbado do artista, ou pelo dedilhar manso do violão lamentando a impossibilidade das palavras de expressar seu interior em “Futile Devices”. The Age of Adz ainda surpreende com sua crueza e incorporação consistente de abordagens experimentais, eletrônicas, ruídos, glitches, trompetes, autotune e abruptas mudanças de ritmos harmoniosamente combinadas à reflexão do ser enxergando sua própria vulnerabilidade e caos, arrematando sua desordem na estupenda e estonteante mais longa canção do artista, “Impossible Soul”. — Karlos Eduardo.

197

Pitty: Setevidas

O impacto de Pitty no cenário musical brasileiro é incontestável. Anos de trabalho compilados em materiais autênticos embalados pelo rock com composições reflexivas e espinhosas. No início dos anos 2000, quando surgiu com o excelente Admirável Chip Novo, ela trilhou um caminho em que sua postura contundente se tornava a sua principal característica. Prosseguindo com sonoridade consistente e letras inteligentes, no seu quarto álbum de estúdio, Setevidas, Pitty dá continuidade ao seu legado, aquele que ninguém pode lhe tirar. Quase cinco anos depois do último disco, Chiaroscuro, lançado em 2009, ela voltou com uma desenvoltura invejável, para quem duvidasse de sua capacidade inventiva. O tempo sem lançamentos inéditos foi preenchido por uma série de dores e problemas pessoais, desde a perda de entes queridos, inclusive sua gata presente na capa do disco, assim como um processo judicial envolvendo o baixista de sua banda, Joe. Tantos caminhos sinuosos foram respondidos pela artista com o que ela sabe fazer de melhor. O rock alternativo, por vezes puxando uma guitarra mais pesada, situando no hard rock, acompanha Pitty na faixa-título “Setevidas”, um verdadeiro retrato de seus confrontos. Nesse mesmo sentido, “Deixa Ela Entrar” funciona como uma cartada final nas indecisões, a permitindo ser mais aberta à sorte e às possibilidades de mudança. Disponível a ciclos e as oportunidades de renovação deles, o disco encerra com “Serpente” em sonoridade mais lenta. A canção pode ser lida também como um reflexo do que Pitty consegue fazer no rock, se transmutando, assim como artista que persevera na música, sempre lembrada pelo seu impacto. — Gustavo Rubik.

196

Denzel Curry: TA13OO

Denzel Curry e seu álbum conceitual TA13OO apresentam uma mistura de relaxamento, melancolia e insanidade. O álbum é dividido em três atos: o primeiro é claro, o segundo cinza e o terceiro escuro, cada um refletindo um estado diferente. No primeiro ato, ele apresenta beats e flows suaves, como os versos relaxantes na faixa-título “TABOO” e em “BLACK BALLOONS” com seus convidados. No segundo, ele aborda questões mais sérias sobre sua saúde mental e apresenta músicas mais agressivas, como em “SWITCH IT UP” com versos insanos e em “SIRENS” com J.I.D, que, apesar de ter um refrão relaxante, traz algumas das letras mais pensativas sobre o estado em que os Estados Unidos se encontram. Já no terceiro, ele se entrega completamente à insanidade, com letras totalmente desesperadoras e beats malucos, como em “THE BLACKEST BALLOON” e “VENGEANCE”, que conta com a participação do JPEGMAFIA, encaixando-se perfeitamente na música. Denzel aborda todos esses temas com um flow ótimo, faixa por faixa, explorando cada aspecto de forma excelente. Além disso, a produção dos beats de trap é muito bem-feita, e os sintetizadores e hi-hats não só são bem produzidos e incorporados aos beats, mas também complementam muito bem a mensagem transmitida nas músicas, tornando esse álbum conceitualmente e instrumentalmente super curioso, criativo e interessante. — Bowii Lima

195

Alt-J: An Awesome Wave

Com canções lotadas de referências a filmes e livros — como “Breezeblocks”, referenciando Onde Vivem os Monstros; “Matilda” se inspirando na personagem do filme Leon; “Fitzpleasure”, a Última saída para o Brooklyn, e o próprio título do álbum sendo uma referência a Psicopata Americano —, vocais únicos e harmoniosos e um instrumental impecável, An Awesome Wave fez a fantástica banda Alt-J levar pra casa um Mercury Prize, prêmio disputado no Reino Unido, que reconhece o melhor álbum da música britânica lançado naquele ano. Com este projeto, Alt-J criou uma experiência sonora de identidade singular. Apenas feche os olhos, e se perca nas imagens que a banda cria nestas faixas. — Matheus Henrique.

194

Taylor Swift: reputation

O emblemático reputation vem de uma resposta de Taylor Swift aos ataques virtuais que sofreu em 2016. Nele, dá o seu lado de defesa para que possamos compreendê-la e analisar o que ela nos conta. Tudo começou com alguns trechos de visuais de cobras — já que, na época dos ataques, Swift ficou com a fama de “cobra” —, e ela se aproveitou disso e fez a seu favor, e adotou as cobras como parte da estética do disco. Apesar de toda essa sede por vingança, Swift também mostra seu lado mais romântico: a segunda metade do álbum, é majoritariamente sobre seu namorado na época, que ficou ao seu lado quando todos a atacavam.

Sua produção é diferente de seus outros trabalhos, uma vez que, aqui, Taylor aposta no electropop e utiliza bastante o recurso do autotune nas faixas, tornando-se uma característica marcante da produção do disco. reputation sem dúvidas foi um dos maiores discos da década. — Lucas Lima.

193

Marina and the Diamonds: Electra Heart

A galesa Marina marcou uma geração de adolescentes com seu disco Electra Heart. Nele a artista cria um alter ego, a Electra, e, ao decorrer das faixas, ela conta sobre a tumultuosa vida da personagem baseada na cultura americana. Em suas letras, encontramos temas como amor e identidade e referências a estereótipos da mulher americana. O electropop de Electra Heart o marca não apenas como um grande e apreciável disco, mas certamente um dos melhores trabalhos de Marina. — Lucas Lima.

192

Nicki Minaj: The Pinkprint

Por mais que Nicki Minaj ainda não tenha nos apresentado um projeto capaz de capturar toda sua criatividade e ousadia, seria improcedente deixar a rapper mais influente da década de fora dessa lista. Nesse sentido, não há melhor escolha senão The Pinkprint para representá-la aqui. Lançado em 2014, o álbum foi uma virada de chave na carreira da artista, que, até então, era conhecida por sua personalidade exorbitante e ocasionalmente burlesca — como visto nos grandes hits “Super Bass” e “Starships”. Mas, neste disco, Minaj conseguiu encontrar um bom equilíbrio entre seus maneirismos e a assertividade que o hip-hop demanda, revelando, em sua lírica aguçada, uma faceta mais vulnerável por detrás das perucas coloridas e dos alter-egos caricatos que marcaram seus primeiros trabalhos. — Marcelo Henrique.

191

Slow J: You Are Forgiven

You Are Forgiven, o álbum poderoso de Slow J, mergulha nas emoções do artista de maneira genuína, proporcionando uma experiência musical intensa e envolvente. Com uma ampla variedade de estilos musicais, o álbum revela a multifacetada personalidade de Slow J, explorando temas profundos de propósito e liberdade na vida. Ao longo do álbum, somos levados a uma jornada emocionalmente envolvente, onde Slow J compartilha sua autenticidade e habilidade em se conectar com os ouvintes. A sinceridade presente em cada música cria um espaço de empatia e compreensão, permitindo que o público se identifique e encontre significado pessoal nas composições de Slow J. O álbum o solidifica como um artista impactante e talentoso, capaz de transmitir emoções profundas através de sua música. You Are Forgiven recebeu reconhecimento da crítica e conquistou uma base de fãs apaixonada, estabelecendo Slow J como uma das vozes mais importantes e autênticas do cenário português atual. ー Gerson Monteiro.

190

Sleigh Bells: Treats

Em 2010, nenhuma música soava como a cáustica estreia da dupla Sleigh Bell. O experimento de sonoridade atraente em Treats é objetivo: o instrumental caótico de Derek Miller, a voz angelical de Alexis Krauss, a mistura de gêneros com um resultado novo e autêntico. Faixas como “Crown On The Ground” e “Infinity Guitars” trazem os riffs distorcidos e os estilhaçam por todos os lados, enquanto a primeira usa a voz de Krauss como textura de som e a segunda como um canalizador punk.

A maioria das letras não é necessariamente autoexplicativa, com as quais eu não poderia me importar menos. Pegue o soco duplo “Straight A’s” e “A/B Machines”, em que a música inteira é, respectivamente, um loop dos versos “Ain’t no sleep / We want straight A’s” e “Got my A machines in the table / Got my B Machines in the drawer”, respectivamente. O carnaval de Treats soa tão convincente que alguém pode afirmar que é, de fato, poesia. E mesmo em seu momento mais quieto — se é que isso pode ser dito sobre as 11 faixas viscerais deste álbum, Treats é vigorosamente inebriante, como mostra a estilo shoegaze e estranhamente bela “Rachel”. E, é claro, há “Rill Rill”, canção assinatura do duo e a joia do Treats. Essa música sobre “ter um coração” e “o que o seu namorado pensa sobre o seu aparelho ortodôntico” é, provavelmente, o earworm pop mais pegajoso da última década, com um sucessor digno chegando apenas 12 anos depois, quando Grace Ives lançou “Lullaby”.

Se ainda não lhe convenci, preste atenção na música dos últimos anos. A mera existência do termo hyperpop, nomes indie barulhentos como illuminati hotties e Turnstile ou a jovem sensação do pop mainstream Olivia Rodrigo — especialmente “good 4 u” —, prova que a influência de Treats ainda ressoa tanto no som quanto na estética. Mas, este álbum não é referência apenas por causa do barulho, das guitarras quebradas, dos ganchos pop doces e dos figurinos de líder de torcida. É porque eles fizeram tudo isso soar como novidade e absurdamente bom. E, mais importante, eles fizeram com que soasse divertido. — Eduardo Costa. 

189

Lizzo: Cuz I Love You

Embasbacante e desconcertante é a força apresentada pela Lizzo em Cuz I Love You, terceiro e mais popularmente conhecido álbum de estúdio da cantora. A mistura extremamente carregada e potente de trap, rap, pop e soul que a cantora e seus produtores prepararam para com o projeto diverte e alegra, ao mesmo tempo que ergue um palco perfeito para o talento grandioso da instrumentalista brilhar com toda a força. Num geral, a obra, por mais que extremamente hiperativa e energética, não se perde na própria vivacidade em nenhum segundo sequer. É uma experiência musical concisa, consistente, muito representativa e de extrema importância para a sociedade atualmente. — Bruno do Nascimento.

188

Lady Gaga: ARTPOP

O lançamento de ARTPOP marcou o início de uma fase conturbada na carreira de Lady Gaga. Após o sucesso massivo de Born This Way, o álbum não conseguiu conquistar o público e a crítica como fez seu antecessor — em parte, por falta própria. Seu conceito ambicioso misturava-se a uma pretensão desnecessária que afastou os ouvintes, levando-o à ruína comercial. Porém, se olharmos além da superfície, encontraremos um projeto pulsante e extremamente imaginativo, movido pela abstração — uma tentativa da cantora de fazer arte sem limites. Isso nos deixa com um conjunto de faixas cuja sonoridade abrasiva, enraizada na música eletrônica, reflete toda a rebeldia de uma popstar no auge de seu estrelato. “Pop culture was in art, now art’s in pop culture, in me”, ela canta em “Applause” e, ao escutar o ARTPOP, não nos resta dúvida do compromisso dela com a autenticidade de sua expressão artística. Fica claro que sua conexão com a cultura pop vai além do comercial; é algo inerente à figura de Gaga, e isso significa muito mais do que qualquer possível equívoco cometido neste disco. — Marcelo Henrique.

187

BK': Castelos & Ruínas

BK’ foi integrante do coletivo Nectar Gang e teve seu primeiro álbum de estúdio, intitulado Castelo & Ruínas, lançado em 2016. O projeto em questão exibiu um estilo genuíno que firmou o rapper como uma das vozes mais proeminentes e influentes no cenário do rap nacional. Morador do bairro do Catete, BK’ compartilha, ao longo das 13 faixas que compõem o álbum, pormenores significativos de sua experiência e vivência nesse bairro. Nota-se que o artista não hesita em explorar suas aspirações, inquietudes e seus sentimentos mais profundos, que se entrelaçam magistralmente como componentes inalienáveis da sua magistral criação. — Brinatti

186

D'Angelo and The Vanguard: Black Messiah

D’Angelo, juntamente a Erykah Badu, Lauryn Hill e Maxwell, foi um dos responsáveis pela popularização do neo-soul no final dos anos 1990. Com uma discografia enxuta — apenas três discos, dos quais dois são clássicos indiscutíveis —, o artista impressiona pela consistência de seu trabalho, dispondo de um repertório invejável; um verdadeiro testemunho do ideal de “qualidade sobre quantidade”. Seu mais recente projeto, Black Messiah, de 2014, reforça seu status como um artista visionário, à medida que deixa de lado a sensualidade explorada nos álbuns anteriores e abre espaço para a discussão política, voltando os olhares para os tumultos e aflições do mundo exterior. — Marcelo Henrique.

185

JPEGMAFIA: Veteran

JPEGMAFIA — a.k.a. Peggy—, após um tempo fazendo barulho no Bandcamp sob o nome Devon Hendryx, lançou um dos projetos mais importantes do hip-hop experimental em memória recente. Misturando elementos de hip-hop industrial e glitch-hop, Veteran, segundo registro do rapper sob o nome JPEGMAFIA, se destaca por sua produção por ser abrasiva, pesada e sombria, ao mesmo tempo que absurda e desconcertante. No lírico, Peggy mantém a qualidade e segue a mesma linha, sendo igualmente carregado e soturno — porém, essa é também a frente, onde senso de humor afiado e a atitude provocativa do artista brilham. Grande parte do tempo, Peggy parece não ligar muito para o mundo em sua volta e brinca com tudo que envolva internet: famosos, pessoas de direita ou famosos de direita. Em “Baby I’m Bleedin”, ele promete nunca pintar o cabelo de loiro como Kanye, em referência ao rapper ter mostrado seu suporte a Donald Trump tingindo a cor do seu cabelo. Ele também afirma ser o Hades da esquerda em “I Cannot Fucking Wait Until Morrissey Dies”, uma faixa que o título provavelmente já diz mais que o suficiente. Este é um projeto que jorra personalidade de qualquer ângulo que você queira analisar, é hostil, industrial, umbroso e responsável por apresentar a muitos, uma das maiores figuras que emergiram da cena underground do rap na década passada. — Bowii Lima e Matheus Henrique

184

f(x): 4 walls

À primeira vista, “experimental” pode soar como um termo antagônico a uma indústria como o k-pop. No entanto, de maneiras diversas e próprias, sempre houve um esforço evidente por parte dos artistas em se apropriar da experimentação em suas músicas e álbuns, e o f(x) é um daqueles grupos em que isso está fincado às suas raízes. Porém, com a saída de Sulli em agosto de 2015, o agora quarteto precisava se reestruturar. 4 Walls nasce de uma falta aparente, mas se traduz como um registro forte de ressignificação. Trazendo o número quatro para os holofotes e contando com colaboradores como Jam Factory, LDN Noise, Kenzie e Carly Rae Jepsen, a sequência de dez faixas é uma exuberante combinação do fervor do deep house e o carisma do synthpop. Mas, apesar de ancorada em sonoridades mais  “comuns”, a abordagem é ousada, imprevisível e cheia de personalidade; algo que nenhum artista ocidental seria capaz de reproduzir. Definitivamente, uma das melhores peças que o gênero já produziu até hoje. — Felipe Ferreira

183

Big Thief: U.F.O.F.

Quando o Big Thief lançou U.F.O.F., no começo de 2019, eles quebraram fortemente com sua personalidade de análise intimista. O disco — nomeado a partir de uma sigla que significa, em inglês, amigo ÓVNI — se fez presente por subverter a clássica ordem de cordas acústicas alternativas: ao invés de soarem bucólicas ou refletir o desespero interurbano, esse instrumental captou, com precisão, o estranhamento do mundo e o sentimento de dúvida da nossa própria existência. Essas músicas soavam naturalmente inorgânicas, como se fossem cantadas, estruturadas e direcionadas justamente para o extraordinário. Essa relação entre o desconhecido e a humanidade — ou melhor, o íntimo de uma pessoa e seu coletivo —, no entanto, foi trabalhada de maneira calorosa: em nenhum momento, nessas faixas, há medo, mas sim curiosidade. “Contact” abre o registro com vocais sombrios e gritos perturbados, enquanto “Cattails” traça o conflito entre vida e morte e “Open Desert” é ambiguamente dolorosa: Lenker canta sobre nadar ou morrer? Bom, no produto, todas essas canções coexistem e divergem para criar uma sensação de algo que é estranho, mas, ainda assim, familiar. — Leonardo Frederico.

182

Run the Jewels: Run the Jewels 2

Run the Jewels 2, o segundo disco da dupla El-P e Killer Mike, é uma obra que expressa raiva, revolução e crítica social de forma intensa. O registro é como um manifesto musical que desafia as normas estabelecidas e oferece uma redistribuição de soberania, que utiliza sua música como uma forma de confrontar questões como corrupção, injustiça e hipocrisia. Na raiva das onze faixas permeadas por fluidez, a produção inovadora e as letras acidamente certeiras visam imobilizar aqueles causadores da indignação social, buscando trazer, acima de tudo, justiça para aqueles que merecem e o tormento para os soberanos. No som, toques de Public Enemy e Ice Cube aparecem perdidos aqui e ali, sendo a base para construção de uma sonoridade ainda mais inventiva. Em “Close Your Eyes (And count to Fuck)”, uma luta agressiva contra lei é almejada, enquanto há ironia na subversiva crítica ao poder de “Lie, Cheat, Steal” e celebração do prazer carnal em “Love Again (Akinyele Back)”. Naquele tempo, nenhum outro disco desafiou o status quo como esse. — Leonardo Frederico.

181

BaianaSystem: O Futuro Não Demora

O Futuro Não Demora, terceiro álbum de estúdio da banda BaianaSystem, foi lançado em um período de extrema turbulência no cenário político brasileiro. A ascensão da extrema-direita no poder serviu de palco para diversos questionamentos. Nesse sentido, o disco é intenso e, em alguns momentos, provocativo, convidando a reflexões que se encaixavam perfeitamente ao contexto atravessado pelo país e pelo mundo. Um exemplo disso é “Sulamericano”, uma das composições mais fortes do registro. “Nas veias abertas da América Latina / Tem fogo cruzado queimando nas esquinas / Um golpe de estado ao som da carabina, um fuzil / Se a justiça é cega, a gente pega quem fugiu”, cantam eles. Multifacetado e frenético, O Futuro Não Demora é o espelho de um Brasil que contesta, que se questiona e que olha para dentro para entender o que acontece do lado de fora. — Lucas Souza

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