SOUNDX

160

Edgar: Ultrassom

No primeiro semestre de 2018, Edgar aparecia implacável na sua participação em “Exú nas Escolas”, de Elza Soares. Seus versos surgem como uma dissonância cortante, travando reflexões duras que passam de crise climática à polarização do neopentecostalismo. Era um prelúdio do universo de Ultrassom, seu segundo álbum de estúdio. Pincelando paisagens distópicas da própria realidade, são dez faixas descritivas de como o mundo funciona nessa dinâmica expandida de problemas tão contemporâneos. Numa abordagem que facilmente traça paralelos com Clara Crocodilo, saudoso e icônico disco de Arrigo Barnabé, Edgar explora a música eletrônica e o rap, e sempre versa com um tom de declamação, como se fosse um profeta do caos e do desespero. Tematizando sobre saúde, consumismo, poluição, relações trabalhistas e, principalmente, a complexidade das questões sobre tecnologia, as letras conseguem ser elucidativas sem soarem pedantes e não cai nos clichês tão característicos da época. É um projeto brutal, que merece ser revisitado e nos faz lembrar que, infelizmente, nenhuma ficção consegue ser tão estranha e difícil quanto a própria realidade. — Felipe Ferreira

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Nick Cave & The Bad Seeds: Ghosteen

Por mais que exista uma palavra que designe uma criança cujos pais morreram, não existe uma que refere-se aos pais que perderam um filho. Porém, música ainda pode ser o caminho mais justo para canalizar toda dor sentida. Em 2015, Nick Cave perdeu seu filho de quinze anos, Arthur, quando esse caiu de um penhasco. Por décadas, as canções de Cave foram sobre assassinato e violência, sempre sintonizando em um horror quase literário. Depois de 2015, todavia, Cave foi trazido por um caos e, novamente, achou sustento e esperança em suas próprias canções. Inicialmente, o cantor pensou que seria “impossível” seguir em frente e passar pelo luto como uma figura pública, mas viu que foi isso que realmente o moveu em direção à superação — como ele disse em 2017, para o The Guardian. Ghosteen foi o segundo disco que ele lançou depois da morte de Arthur — e a peça final da sua trilogia composta por Push the Sky Away (2013) e Skeleton Tree (2016) — e é seu trabalho mais pessoal. Dividido entre dois discos — um para crianças que morreram e outro para seus pais. No primeiro, imagens de terror em “Bright Horses” representam o amor contínuo entre pai e filho, ao passo que barcos que navegam pelo céu são uma passagem para o paraíso em “Galleon Ship”. No segundo, “Ghosteen” e “Hollywood” são dois monstros de mais de dez minutos de duração, os quais carregam uma grandiosidade inegável. Ao final do disco, Cave canta: “And I’m just waiting now, for peace to come”. Leve o tempo que levar, a paz sempre chega. — Leonardo Frederico

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Kamasi Washington: The Epic

Poucos artistas fizeram jus ao título que escolheram para seus álbuns como Kamasi Washington fez com The Epic. Alcançando quase três horas de duração, o terceiro e triplo LP do saxofonista Kamasi Washington é uma ode ao jazz, que contém grandiosas faixas que vão, incansavelmente, te deixar sem fôlego, seja pelas impressionantes (e constantes) sessões de improvisação instrumental, ou pelos transcendentais vocais — estes que raramente aparecem, mas quando o fazem, são de uma beleza e grandeza que te levam para outra galáxia. Aliás, como é mostrado na capa do álbum, levar o ouvinte às estrelas é claramente a intenção de Kamasi e de sua banda nesta incrível e, obviamente, épica jornada. — Matheus Henrique

157

Gal Costa: Recanto

Recanto foi um divisor de águas na trajetória de Gal Costa, marcando uma notável e surpreendente reinvenção artística. O álbum, com produção e composições assinadas por seu parceiro de longa data, Caetano Veloso, apresentou um audacioso casamento entre a essência da MPB tradicional e elementos da música eletrônica. Nessa obra, Gal Costa ousou explorar territórios musicais inexplorados, revelando sua incrível versatilidade e adaptabilidade como intérprete. Ao incorporar batidas eletrônicas e texturas sonoras contemporâneas, o álbum funde de forma magistral tais elementos com a icônica voz de Costa, resultando em um ambiente sonoro intrigante e futurista. A coragem demonstrada por Gal em se afastar de sua zona de conforto e abraçar o experimentalismo é verdadeiramente louvável. — Brinatti

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Godspeed You! Black Emperor: 'Allelujah! Don't Bend! Ascend!

Em seu primeiro álbum em dez anos, a banda Godspeed You! Black Emperor, prova que não perderam a habilidade de criar as melhores canções que o post-rock pode oferecer. Contendo quatro extensas faixas, ‘Allelujah! Don’t Bend! Ascend! vê Godspeed aplicando, com uma maestria única a esse grupo, as clássicas características do gênero: canções com instrumentais dignos de uma enorme orquestra, que estão sempre em constante evolução, até alcançarem um esmagador e catártico ápice sonoro. — Matheus Henrique.

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Flying Lotus: Cosmogramma

O catártico terceiro disco de Steven Ellison como Flying Lotus, Cosmogramma, de 2010, propõe um olhar intimista e revelador sobre o universo que habita o musicista, por meio de faixas aparentemente abstratas, mas recheadas de significado. É uma obra pautada pelo luto — Steven perdeu a mãe durante o processo de gravação —, porém celebrativa de toda herança espiritual que ele adquiriu da família — mais especificamente, por sua ligação com a renomada pianista Alice Coltrane. Não é à toa que a influência do jazz se faz bastante presente no álbum, acompanhada, também, das detalhadas experimentações do IDM; mescla essa capaz de fazer o ouvinte ter uma experiência quase transcendental. Cada sample, instrumento, efeito ou textura aplicada aqui tem um propósito maior do que o musical — seja ao referenciar um videogame ou uma das canções de sua tia, FlyLo consegue manifestar o íntimo de sua personalidade de maneira tocante. Num primeiro contato, Cosmogramma pode ser visto como uma simples coletânea de instrumentais eletrônicos, mas, ao olhá-lo com maior atenção e sensibilidade, seu conteúdo mostra-se fascinantemente recompensador. — Marcelo Henrique

154

Red Velvet: Perfect Velvet

Em 2017, Red Velvet viveu os seus anos dourados. O grupo, que completava três anos de carreira, se consolidava e, de quebra, lançava o seu maior sucesso em solo coreano até os dias atuais: “Red Flavor”, um hino irresistível de verão que se tornou um ícone da estação. Porém, o trabalho subsequente mudou totalmente o tom: as cores quentes e as frutas refrescantes foram substituídas por um culto de mulheres assassinas de entregadores de pizza, que viviam disfarçadas em uma casa suburbana. Perfect Velvet é uma obra delirante do melhor que o k-pop pode oferecer: um conceito brilhante, que faz uma homenagem vívida ao terror dos anos 90, é trabalhado com capricho e se traduz em visuais dúbios e músicas sofisticadas — formadas por excelentes harmonias vocais, produção criativa e refrões viciantes. As baladas e o característico R&B do grupo ainda se fazem presentes em faixas como “Moonlight Melody” e “About Love”, mas agora o lado velvet ganha versatilidade e profundidade — ao lado de nomes como Deekay, Sumin, Jam Factory e Kenzie, elas encaram o deep house em “Look”, uma cacofonia estranha de sintetizadores distorcidos em “Attaboy” e a inefável “I Just”, à qual você não vai encontrar nada semelhante em outro lugar. É definitivamente o melhor trabalho do quinteto, que traçou a consagração máxima de suas melhores características e, de maneira indireta, desenhou o panorama geral dos grupos femininos da terceira geração de 2018 em diante. — Felipe Ferreira

153

clipping.: There Existed an Addiction to Blood

Se você está procurando por canções com batidões de graves para ouvir no Halloween, bom, você achou. Apesar de horrorcore ser um subgênero de rap que existe desde os anos 1990, a música rap nunca soou tão assustadora quanto em There Existed An Addiction To Blood. O quarto álbum de estúdio do trio clipping. é um prato cheio, tanto para fãs de música — pois neste LP você encontrará uma das produções mais criativas que o rap pode proporcionar —, quanto para fãs de terror — já que o grupo não poupa as referências aos clássicos do gênero. — Matheus Henrique

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Blood Orange: Negro Swan

Negro Swan é o quarto álbum de estúdio do cantor e produtor estadunidense Devonté Hynes sob o nome artístico Blood Orange. Lançado em 2018, o disco reflete a onda de discriminação e opressão que sucedeu à vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos dois anos antes, servindo como uma poderosa resposta às ideologias preconceituosas dos movimentos fascistas que tomaram conta do globo após esse acontecimento. As faixas narram os desafios de ser um homem preto de sexualidade fluida em uma sociedade tomada pelo conservadorismo, posicionando Hynes como o cisne negro dessa conjuntura, ao passo que exploram o conceito de comunhão e acolhimento de minorias marginalizadas — tudo isso envolto por uma sonoridade incrivelmente versátil com forte influência do neo-soul, gospel, jazz, chillwave e R&B alternativo. — Marcelo Henrique

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Grimes: Visions

Recentemente anunciada como uma das principais atrações do Primavera Sound em São Paulo, Grimes soa, hoje, como a concretização de um processo de desestimulação artística através da obsessão pelo artificial e dissimulado. Em 2012, Visions, terceiro disco da cantora, figurou entre as melhores posições nos rankings de fins de ano de dezenas de revistas especializadas em música. Vindo posteriormente à Geidi Primes, uma ode minimalista à Frank Herbert, e Halfaxa, um álbum introdutório à sonoridade vaporwave na era digital, Visions é encabeçado por uma visão artística dotada de dessacralização dadaísta e uma montagem cubista, condições comuns à música pop há décadas. Comumente ressaltado pelas faixas “Oblivion” e “Genesis” (pessoalmente, as utilizo como transição: como um costume, na virada de ano, coloco um fone e ajusto a duração das canções para, quando a meia-noite chegar, a transição entre ambas se inicie), a produção de Grimes, a qual realizou sozinha em seu quarto, com apenas seu computador pessoal, converge a liricidade do medo de assédio e abuso ao sair sozinha pela noite com sua melodia, equalizando perfeitamente a sintonia entre medo e tensão. Com o uso de sintetizadores e uma densidade musical latente, Grimes se efetivava como um dos maiores nomes do alternativo, fator que viria a se desmantelar com sua diligência pelo cinismo e zelo pela farsa da inteligência artificial. — Alisson Nunes.

150

Lucy Dacus: Historian

A passagem do tempo pode ser muito cruel, seja pela sua celeridade para quem envelhece, seja pela sua vagareza para quem tenta esquecer um amor. Historian é o segundo álbum da americana Lucy Dacus — uma expoente personalidade do indie rock nos dias de hoje — que batalha contra a passagem do tempo, ao mesmo tempo em que busca controlá-lo e criar novas rotinas para evitar um relacionamento passado: “And I fought time / It won in a landslide”. Este é o disco que contém “Pillar of Truth”, uma das canções mais estonteantes no que se refere à progressão e ao shock value quanto ao extravasamento das emoções ao fim da ponte: “If my soul can’t sing / then my soul will screams out to you!”, ela exclama. Sem rodeios, Historian é o magnum opus de Dacus. — Kaique Veloso

149

Julia Holter: Loud City Song

Loud City Song, lançado em 2013, é um dos álbuns mais etéreos já criados. Terceiro álbum de estúdio da cantora e compositora Julia Holter, a obra captura, de forma exata e por meio da música, a complexidade dos sentimentos e pensamentos tidos por alguém num sonho, ao passo que  discorre sobre o quão barulhenta e apressada a vida é, através de sua lírica. É estranhamente elucidante a maneira como Julia transmite suas idéias acerca dessa temática. O que as palavras não conseguem explicar, seu vocal denota, com o timbre polido e mágico da artista. — Bruno do Nascimento.

148

Criolo: Nó Na Orelha

Nó na Orelha é uma obra-prima da música brasileira. O título faz uma alusão à expressão popular brasileira que indica quando algo é difícil de compreender e assimilar. Nesse sentido, com sua poesia afiada e a sua musicalidade diversificada, o rapper aborda questões sociais, raciais e políticas. A fusão entre o rap e outros gêneros musicais, como o samba, cria algo sem igual que prende o ouvinte. Criolo utiliza sua voz para expor as realidades complexas do Brasil. A riqueza lírica e os arranjos fazem desse projeto uma jornada emocional interessante. Alguns dos destaques do álbum incluem músicas como “Não Existe Amor em SP”, “Subirusdoistiozin”, “Grajauex” e “Freguês da Meia Noite”, que se tornaram sucessos e ajudaram a aumentar ainda mais o reconhecimento de Criolo no cenário musical brasileiro. — Brinatti

147

Ariana Grande: Dangerous Woman

Dangerous Woman, lançado em 2016, é o terceiro álbum de estúdio de Ariana Grande. Esse álbum foi um marco em sua carreira, solidificando sua posição no cenário pop atual. Com uma variedade de gêneros musicais, como R&B, pop, soft rock e jazz, Ariana mostrou sua versatilidade artística. Destaque para sua voz impressionante, com capacidade de transitar entre notas altas e baixas, técnica vocal refinada e alcance vocal impressionante. A produção cuidadosa complementa perfeitamente sua voz, criando uma harmonia entre os elementos musicais e vocais. Além disso, o álbum trouxe uma imagem mais madura para Grande, consolidando sua presença no cenário musical. O projeto levou a cantora a novos patamares de reconhecimento e aclamação, consolidando sua posição como uma das principais artistas pop da atualidade. Com sua evolução artística e composição rica, a encantadora estrela pop demonstrou seu potencial para grandes feitos em sua carreira. ー Gerson Monteiro

146

Arcade Fire: The Suburbs

The Suburbs, terceiro álbum do Arcade Fire, é uma obra-prima do rock épico e moderno. Optando por uma abordagem nostálgica, melancólica e reflexiva sobre a vida suburbana, The Suburbs explora temas como a infância, alienação, guerra, tecnologia e o amor. Orquestrado mediante letras váticas e, assim como seu disco de estreia, Funeral (2004), esse é um trabalho que surge como uma bíblia para uma geração que cresceu em meio ao medo da incerteza da violência. Esse é um retrato vivo do que o sonho americano se tornou e como os sonhos e pesadelos acham seus caminhos de permanência entre rachaduras de crises políticas e sociais. Na faixa-título, um recado direto do subúrbio estadunidense emerge, mas está longe de ser uma carta de amor ou orgulho. Em “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)”, todo o cenário do caos é estabelecido por uma letra duramente direta. “Modern Man” tem seus níveis de ironia e “City with No Children” é um olhar saudosista para o passado. De fato, The Suburbs transcendeu seu gênero, não apenas por sua ambição, mas também por sua beleza — ou falta dela. — Leonardo Frederico.

145

Tame Impala: Innerspeaker

Quase difícil falar em música alternativa sem citar Tame Impala. O cantor, mais conhecido pelo disco Currents, de 2015, é dono de uma discografia que conversa com o rock em tons psicodélicos. Antes mesmo de ser um dos impulsionadores do tipo de som tipificado como indie — que foge do mainstream — o primeiro trabalho, Innerspeaker, de 2010, é a massa que modela toda sua desenvoltura. Válido ressaltar que, atualmente, a música considerada alternativa não é mais como um dia já fora. Ela possui muito mais impacto comercial, a ver os próprios números de Tame Impala e como seu som foi sendo popularizado nos últimos anos. No fim, o som dito alternativo é mais pop, no sentido de popular, do que um desvio de direção. Assim, o disco de estreia é responsável pela formação básica do que Impala foi se tornando ao longo da década passada. A primeira faixa do álbum “It Is Not Meant To Be” transita por um amor no qual as personalidades se contrastam. Como uma apresentação, a música deixa bem claro como é o tom do material: seus instrumentais são mais alongados e com espaços para serem destrinchados nos versos. Repare como “Desire Be Desire Go” é dominada pela guitarra e os momentos que esta ocupa papel de destaque na condução da canção, assim como “Lucidity” e a inteiramente instrumental “Jeremy’s Storm”. Apesar de não ser tão reconhecido, Innerspeaker guarda muita originalidade aproveitada pelos trabalhos futuros e como esses foram influentes para a mudança de sons dominantes nos últimos períodos. — Gustavo Rubik.

144

Swans: The Glowing Man

Entre os anos de 2012 e 2016, a banda Swans fez o que estava ao alcance deles, para elevar sua música a todos os limites possíveis, através da sua fantástica trilogia de álbuns, lançada durante esse período. The Glowing Man, é o projeto que dá um satisfatório e grandioso fim a essa jornada. Assim como To Be Kind, o álbum que o precedeu, The Glowing Man contém irresistíveis grooves nas suas faixas, que são acentuados por uma forte bateria e proeminentes linhas de baixo e guitarra. Porém, neste LP, o objetivo da banda com esses grooves e a atmosfera que é criada a partir deles é um pouco diferente. Se, em The Seer, nós tínhamos a trilha sonora de um ritual e em To Be Kind, a trilha sonora do apocalipse, em The Glowing Man, temos a trilha sonora que, provavelmente, é tocada quando uma alma sobe para o céu. Contendo o que é, discutivelmente, a melhor canção da banda, essa sendo a faixa título, este é um projeto que, perfeitamente, põe um ponto final na trilogia e, com sua última faixa, também reflete o sentimento da banda com todo o trabalho que realizaram. O título da faixa: “Finalmente, paz”. — Matheus Henrique

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Noname: Room 25

O encanto de Noname e sua personalidade artística suave ganha ainda mais poder em seu álbum debutante, Room 25. As batidas descontraídas e criativas de jazz, atreladas à performance calmante da rapper, criam um ambiente bem receptivo para todas as importantes mensagens que a musicista traz consigo. De acordo com ela, é o trabalho perfeito para “ouvir no seu carro, a caminho de casa, de noite, enquanto reflete sobre quaisquer deuses, religião, Kanye West e vadias”. Acho que ela está mais do que certa em sua descrição, visto o quão perfeitamente a obra consegue se encaixar na rotina das pessoas — por sua brandura e doçura. — Bruno do Nascimento.

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Kanye West: The Life Of Pablo

É entre o profano e o sagrado que Kanye West se divide em The Life of Pablo, seu sétimo álbum de estúdio. Lançado em um momento conturbado de sua carreira (há algum que não seja?), o disco de 20 faixas possui uma narrativa autoindulgente, que funciona como um mergulho na mente de Kanye. Quase como uma viagem em transe, o músico nos coloca no meio do mundo de aparências das celebridades e grita intensamente todos seus desejos e medos. Ao mesmo tempo em que quer ter uma família feliz e tradicional, o artista se vê constantemente seduzido pelos prazeres da vida de celebridade. The Life of Pablo é um comentário de Kanye West sobre si mesmo, um manifesto egocêntrico, no melhor dos sentidos. Não à toa, o título fala de Pablo, uma referência ao artista plástico Pablo Picasso, um gênio polêmico e contraditório, com quem Kanye se identifica.

“Ultralight Beam” abre o álbum como um aceno ao sagrado — um objetivo que Kanye quer alcançar, uma ascensão divina. Enquanto isso, faixas como “Famous” e “I Love Kanye” fazem essa reflexão autocentrada e egocêntrica na figura de Kanye West e pessoas em volta de suas polêmicas, como Taylor Swift. Estilisticamente, talvez a repetição seja o aspecto que mais cria o transe do álbum, principalmente nas faixas “Real Friends”, “30 Hours” e “No More Parties In LA”. Nelas, o eu lírico entra numa bad trip, como um personagem preso no mundo das celebridades. Por fim, “Saint Pablo” encerra a narrativa do álbum, misturando todas as temáticas — sagrado, profano e autoindulgência. A música começa com um desabafo de Kanye, que faz um panorama sobre toda sua carreira, e termina da mesma forma que o disco começou: o eu lírico buscando encontrar o sagrado e ser acolhido por Deus. — Luiz Gongra

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Julia Holter: Aviary

Uma experiência de art-pop e pop progressivo desafiadora e sem igual, que testa os limites de quem ousa o ouvir com sua longa uma hora e meia de duração de puro brilhantismo e artisticidade, este é o álbum Aviary de Julia Holter. Quinto disco lançado pela cantora nova-iorquina, a obra de arte musical marca o apogeu da artista enquanto musicista e interlocutora da própria arte. É um registro extremamente complicado e muito detalhado, tendo sido trabalhado nele as mais mirabolantes ideias e discorrido os mais instigantes temas, como a instrumentalização radical da conceitualmente alegre e calma “Turn The Light On”, em que Julie fala sobre se lembrar de bons momentos juntamente de uma pessoa querida. — Bruno do Nascimento.

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