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Vince Staples

2021 •

BLACKSMITH/MOTOWN/EMI

6.8
O novo autointitulado de Vince Staples pode ser o seu projeto menos fascinante até ao momento, mas a sua autenticidade faz brilhar o nome de um dos mais importantes artistas do panorama do hip-hop experimental de hoje, desvendando um honesto autorretrato do rapper de Long Beach.
Vince Staples - Vince Staples

Vince Staples

2021 •

BLACKSMITH/MOTOWN/EMI

6.8
O novo autointitulado de Vince Staples pode ser o seu projeto menos fascinante até ao momento, mas a sua autenticidade faz brilhar o nome de um dos mais importantes artistas do panorama do hip-hop experimental de hoje, desvendando um honesto autorretrato do rapper de Long Beach.
16/07/2021

Contando com outro trabalho de produção do aclamado Kenny Beats, Vince Staples é um álbum sem grande ornamentação, lançando assim a voz de Staples para as luzes da ribalta. Ainda que não carregue uma produção tão impressionante como outros projetos em que Kenny Beats já participou, esta não deve ser subestimada. Poderá ser tentador achá-la desinteressante e banal após uma primeira impressão, mas um regresso mais atento ao álbum desvendará interessantes detalhes na produção escondidos por detrás dos primários 808 kicks. O novo disco de Staples pode até carecer do ecletismo de FM! ou do vigor e dinamismo que a produção extraordinária de SOPHIE, Flume e Jimmy Edgar dá ao clássico Big Fish Theory. Contudo, o carácter mais elementar das melodias e batidas acomoda pertinentemente a diferente abordagem escolhida por Vince no seu quarto álbum.

A escolha de lançar este álbum como um autointitulado é congruente com uma mudança nos temas e no contexto em que estes são retratados – o foco é direcionado para relembranças, inquietações e observações do passado do rapper, que nos aparecem de forma incrivelmente genuína. O disco explora o contexto de Vince a partir de uma perspetiva diferente – ao contrário dos seus anteriores projetos, Vince Staples segue uma abordagem mais autêntica na representação das realidades da violência de gangs, apontando diferenças das construções fabricadas e romantizadas que Hollywood constrói de forma mais digerível para agradar a certos auditórios. É aqui que se encontra o ponto de rutura com a cultura hip-hop que Vince identificara em 2012 numa entrevista com o The Guardian. O rapper afirma que não se sente parte desta cultura que agora celebra o seu trabalho – “I didn’t grow up with people breakdancing, I come from gang culture”. Este álbum é prova disso mesmo.

Os momentos mais fortes do álbum são indubitavelmente os dois singles. Na primeira faixa, “Are You with That?”, o ritmo lento da batida é complementado por melódicos e quase surreais sintetizadores, enquanto a voz de Staples ecoa as suas experiências enquanto jovem a crescer num bairro em Long Beach. A pergunta presente no título parece dirigida ao seu eu mais novos, mas sem qualquer traço de deceção ou arrependimento. Staples tem consciência de que aquilo pelo que passou não foi determinado pelas suas escolhas, mas sim por uma realidade que lhe foi imposta. A familiaridade do rapper com esta realidade fá-lo insistir na frustração que tem ao ver a fetichização da mesma pela cultura mainstream. As referências a amigos falecidos surgem ocasionalmente, enquanto um quase irónico entoe, “dead homies!”, é repetido ao longo do álbum. Em “Sundowon Town”, Vince menciona o medo que ainda sente, mesmo num meio quase oposto ao antigo, após a sua ascensão a artista de sucesso – “When I see my fans, I’m too paranoid to shake they hands / Clutchin’ on the blam, don’t know if you foe or if you fam”. Mais tarde, em “Take me Home”, entre uma guitarra lo-fi e batidas descontraídas, a referência à parte sombria do seu passado volta a surgir “When it’s quiet out, I hear the sound of those who rest in peace”.

Os tópicos representados ao longo do álbum são prova da pertinência da sua produção suave e folgada. O foco deve exclusivamente pertencer aos versos que surgem descomplicados. Uma produção como a que encontramos em Big Fish Theory iria provavelmente ameaçar a atenção do ouvinte às lyrics, sem dúvida a peça crucial deste projeto. Staples quer ser ouvido. Tal intimidade e sinceridade exige um ouvido atento, consciente e que não descarte uma certa seriedade. Mesmo assim, enquanto a produção de Kenny brilha em faixas como “Law of Averages” ou a final “MHM”, outras como “The Shining” ou “Taking Trips” parecem desprovidas de essência, acabando por aparecer um quanto fracas, o que possivelmente prejudica o interesse dos ouvintes, tão fundamental para a apreciação da performance do rapper. Assim sendo, alguns momentos acabam por apontar o dedo à produção pouco excecional, enfraquecendo o projeto como um todo. Por mais notável que seja o desempenho de Vince, este necessidade de uma base sólida que se adeque à sua energia. Com os alicerces de Vince Staples a pedirem algo mais, sobra para os interlúdios que parecem ter sido empurrados para dentro do projeto de forma a disfarçarem as suas zonas mais ocas.

Os 22 minutos que compõem o álbum fazem desde um projeto pequeno, mas intenso. Apesar de a produção não ser nada perto de revolucionária, e de que alguns momentos pareçam cair por terra, Vince Staples nunca fora tão honesto e íntimo. No fim da sua entrevista ao The Guardian, Staples afirma, “I’m not worried about hip-hop culture. I’m worried about people, and where I come from. I don’t really care to be a rapper. I’d rather just be myself”. Com o seu mais recente álbum, ele consegue pintar a mais genuína representação do lugar de onde veio, e incontestavelmente atinge o seu mais autêntico eu até agora.

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