Assim como fora sucintamente descrito numa postagem de seu autor no Instagram, Lahai é o nome do avô de Sampha, seu nome do meio, seu próximo capítulo musical, mas, principalmente, a continuação do tão aclamado Process, este sendo seu primeiro projeto lançado em 2017. Durante estes cinco longos anos passados desde a sua estreia oficial na indústria fonográfica, o cantor e produtor se consolidou no meio do R&B alternativo com suas colaborações sensacionais, que vão desde “Don’t Touch My Hair” (2016) da Solange até, a mais recentemente, “Father Time” (2022) com Kendrick Lamar. Isso graças ao seu emblemático timbre tenro e sonoridade bastante singular e instigante. Entretanto, mesmo já tendo provado milhares de vezes que possui um enorme valor artístico, ainda era temido a possibilidade do próximo trabalho do artista decepcionar a sua audiência por não atingir as altíssimas expectativas pré-estabelecidas. Porém, o mais novo disco disponibilizado pelo músico cumpre com a sua função e prossegue a discografia do artista sem soar como um mero parafraseamento do projeto anterior; possuindo autenticidade e qualidade o suficiente para se firmar como um excelente lançamento e, melhor ainda, uma evolução louvável do compositor.
O grande atrativo que despertou o interesse do público pela sua arte foram as modulações sonoras que Sampha e seus colaboradores fizeram nas batidas de UK garage, future garage e música eletrônica em seu primeiro álbum, Process. Isso fez com que os sons típicos de tais gêneros fossem reformulados para se encaixarem nos moldes do R&B contemporâneo e gerar, portanto, um trabalho único de R&B experimental, que desafiava o ouvinte a experienciar uma viagem sem igual pelas emoções mais turbulentas do artista. No início do caminho, entretanto, ele e seus colegas fizeram uma quebra meio abrupta desta premissa com a inclusão de duas baladas, mais típicas do soul, “(No One Knows Me) Like the Piano” e “Take Me Inside”, o que desviou a obra de seu princípio e gerou uma enorme inconstância. Não necessariamente as canções são ruins, porém, é um fato que soam muito diferentes das demais e quando postas em comparação com o restante do projeto, se tornam desinteressantes. Porém, com Lahai, o cantor inglês felizmente não comete o mesmo erro e cria uma obra mais concisa e focada.
Além de superar Process nos quesitos de coesão e de fidelidade a premissa previamente estabelecida, Lahai também excede o seu antecessor na introspecção sonora proporcionada ao desenvolver mais profundamente as ideias musicais concebidas pelo projeto anterior, nos deliciando com a magnífica riqueza de detalhes impressas em suas melodias. As modulações das batidas de UK garage e future garage fluem mais livremente pelas faixas. Assim como as águas do rio, tais adereços sonoros seguem o seu curso de forma satisfatoriamente desordenada, aparecendo por puro bel-prazer; complementando muito bem as produções de neo-soul e R&B. E tal característica da obra faz a estupenda “Spirit 2.0”, lead-single dessa nova era de Sampha, se encaixar perfeitamente no contexto do álbum e cintilar o seu brilho estonteante para ainda mais longe. Esta música transparece os ares da boa aventurança da jornada do cantor em busca da plenitude de seu significado através de sua musicalidade grandiosa e, também, através de sua letra, cuja escrita demonstra a habilidade palpável do artista em descrever seus sentimentos e ocorrências de sua vida. No pré-refrão, ele canta: “Next thing I’m drifting into open sky / And I don’t feel so scared / Dreamin’ with these open eyes / I’m grabbin’ at the air”. E, logo em seguida, o mesmo nos envolve com um refrão revitalizador, que exemplifica praticamente tudo o que queria comunicar com a canção (e com o disco num geral): “Waves will catch you, light will catch you / Love will catch you, spirit gon’ catch you, yeah / Faith will catch you, friends will catch you”. O músico, acima de tudo, queria reacender a esperança em nossos corações e contemplar a beleza da vida, mesmo que estejamos enfrentando tantas dificuldades.
Em “Dancing Circle”, Sampha prossegue sob pretexto de fazer o ouvinte contemplar a beleza da vida ao cantar sobre relembrar bons momentos vividos com pessoas queridas, mais especificamente aqueles com quem dançou e teve conversas profundas sobre o futuro. Em colaboração com o produtor Pablo Díaz-Reixa, o cantor conceituou sua própria ideia de batida dançante ao cadenciar simples notas de piano e as desdobrar em uma produção rica e muito interessante de R&B contemporâneo, reunindo elementos do trap e da música eletrônica; na qual performou por cima com improvisações auspiciosas e uma voz cheia de personalidade.
Em “Suspended”, outro grande momento de Lahai, somos varridos do chão por um devastador turbilhão de sentimentos. Ao contrário de “Spirit 2.0” e “Dancing Circles”, a canção traz consigo uma urgência em restabelecer o relacionamento amoroso que possuía com uma antiga parceira. Sampha se encontra completamente desequilibrado; completamente afundado nas profundezas de seu próprio ser, se destruindo no alcoolismo e na depressão. “I was in and out, but drowning more and more / Sipping on red wine, I spilled it on the floor / Then I find myself, all washed up by the shore” canta, desesperadamente, o cantor, sobre uma enérgica batida de UK garage/future garage. Sobre esta faixa, o músico diz ter escrito sobre como utilizou seus relacionamentos passados como apoio emocional; um pilar para sustentar a sua mente. Por mais que se trate de uma mania ruim e danosa, podendo acarretar dependência emocional e, por consequência, machucar tanto ele quanto a parceira, a intenção do artista fora de amadurecer ao reconhecer o erro que tanto cometeu no passado. Com isso, Sisay quis mostrar que para alcançarmos a plenitude mental e melhorarmos nossa situação atual, temos de passar por um processo doloroso, mas necessário, de autoconhecimento e nos responsabilizamos pelo que fizemos de errado.
Mais adiante, temos “Only”, o segundo single da era Lahai. No início da faixa, somos recebidos por notas singelas de piano e vocais de Sampha, entoando o refrão da música (“Only, only, only, only, only you”), que rapidamente se esvaem pela atmosfera pesada da música e, então, somos levados ao chão subitamente por uma batida carregada de trap e R&B. Nos versos seguintes, Sampha nos diz para quem está direcionando tais palavras: nós e a Deus, o único ser que pode o julgar pelo estilo de vida que tomou para si e as decisões que toma. É uma música sobre se libertar das opiniões alheias sobre você e apenas viver a vida como bem entender, com base na própria verdade. De acordo com o cantor, apenas nós mesmos podemos nos mudar. Não devemos procurar fazer isso apenas por conta do achismo dos outros. O nosso próprio bem-estar deve ser a nossa maior prioridade. Durante a canção, Sampha demonstra uma versatilidade impressionante ao alternar dos seus vocais angelicais para passagens de rap fortes e precisas, fazendo uso de uma lírica bem afiada: “I can’t see trapdoors in my mind / The blurry signs that I can’t define / Like predictin’ movements ahead of time / Projectilеs comin’ from the side / Projectilеs comin’ for my life / War zone when I close my eyes”.
Mais próximo do final de Lahai, Sampha nos traz um questionamento interessante sobre a existência do tempo no interlúdio “Time Piece” para depois indagar sobre a necessidade compulsiva que o mesmo tem em divagar sobre os prováveis fins que os seus próximos dias tomarão ao invés de viver o presente em “Can’t Go Back”. Nessa faixa, Sampha retoma as produções pesadas de drum & bass, mas fazendo transições entre as batidas com a voz do cantor, que serve como um agente intermediador entre os aspectos mais suaves e agitados da música. Depois ouvimos a “Evidence”, no qual ele fala dos momentos em que se perde da realidade e a urgência em se manter consciente, “Wave Therapy”, “What If You Hypnotise Me?”, cuja letra discorre sobre terapia de hipnose e o interesse que Sisay adquiriu neste inquérito e, por último, “Rose Tint”. Todas essas canções dispõem de uma sonoridade instigante de R&B alternativo, relembrando um pouco os momentos iniciais do disco, e finalizam a obra com uma conclusão digna.
Encerrado Lahai, se evidencia a urgência em destacar que o álbum não se trata apenas de uma enorme evolução artística, mas também do resultado benéfico de uma árdua jornada de amadurecimento de Sampha. Cinco anos após o lançamento de Process e a sua saída da grande depressão que o desfecho conturbado de um antigo relacionamento o fez cair, o cantor inglês se apresenta como um homem mais maduro e evoluído. Agora que se tornou um pai, o mesmo passou a tentar observar o mundo sobre uma ótica mais positiva, frisando os olhos para o avistamento de um futuro melhor para todos. Observando a situação atual do mundo, este exercício proposto pelo artista prova-se extremamente difícil. Porém, vale lembrar que a sua conclusão recompensa quaisquer dificuldades que tenhamos. Se quisermos sobreviver, temos de possuir vontade de viver!