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REVAMPED

• Island / DLG

• 2023

6.5

Arrastada pela nostalgia, Lovato se arrisca ao reconfigurar canções pop para o rock em uma aventura que, apesar das limitações e incongruências, rende alguns destaques.

REVAMPED

• Island / DLG

• 2023

6.5

Arrastada pela nostalgia, Lovato se arrisca ao reconfigurar canções pop para o rock em uma aventura que, apesar das limitações e incongruências, rende alguns destaques.

PUBLICADO EM: 19/09/2023

PUBLICADO EM: 19/09/2023

Nos últimos anos, o pop punk e o pop rock voltaram a ganhar destaque comercial, seja com Olivia Rodrigo encabeçando, logo na estreia, o single “good 4 u” em primeiro lugar na Billboard Hot 100, ou com Machine Gun Kelly conduzindo um som que conquistou o ouvinte médio dos Estados Unidos. Ver o gênero ganhando destaque soa como uma proposta irrecusável para quem já se aventurou nele no passado, assim Demi Lovato aceitou a aposta. Só que além de surfar na onda, a cantora buscou enrijecer seu som com HOLY FVCK, que mesmo tendo um reencontro com o pop rock adolescente de Don’t Forget e Here We Go Again, é mais ousado e provocativo quando densifica os ares com uma produção pesada. O passo seguinte é, por outro lado, um caminho inverso que funcionaria melhor se fosse feito anteriormente ao lançamento de um material de inéditas voltado para o rock. No entanto, esse não é o único problema.

Quando entrou em turnê, Lovato quis dar para suas canções pop uma personalidade que correspondesse ao momento de sua carreira, por isso elas ganharam adições de guitarra para tornar o concerto harmônico. A guitarrista de heavy metal, Nita Strauss, integrou a banda e juntas conduziram a reconfiguração de elementos pop, como “Heart Attack” e “Cool For The Summer”. Após o fim da HOLY FVCK Tour, Demi deu uma pequena pausa, rapidamente sucedida pelo lançamento de “Still Alive”, música-tema do filme Pânico VI, lançado este ano. No mesmo mês, em março, sem nenhuma previsão do que estava fazendo em estúdio, “Heart Attack” foi lançada como a primeira canção gravada com roupagem rockeira. Naquele momento, a situação era nebulosa e a intenção não muito clara, fora as especulações dos fãs de que isso simbolizaria um projeto. De fato, foi isso mesmo que aconteceu e REVAMPED chega sendo um compilado de alguns sucessos transformados em versões rock.

O novo registro da cantora possui decisões controversas, a começar pelo seu momento de lançamento. Para se reconectar com seu eu do passado, não faria mais sentido se REVAMPED fosse lançado antes de HOLY FVCK? O gerenciamento da artista nunca foi dos melhores, nem dos mais eficientes, fazer esse movimento previamente prepararia melhor seu público-alvo, assim como permitiria entender qual direcionamento ela poderia dar em um álbum de inéditas focado no rock. Mas não é esse cenário que foi desenvolvido. Talvez as regravações nem chegaram a ser cogitadas e somente com a turnê isso foi ponderado. O que nos leva para outro problema, a transposição do ao vivo para o estúdio, este que é o ponto nerval do insucesso das reimaginações.

Indo de Rihanna a Ariana Grande, Oak Felder já trabalhou com inúmeras personalidades, tanto compondo, como produzindo. Desde 2017, quando ele encorpa a sonoridade de Demi com Tell Me You Love Me, Felder vem sendo o responsável majoritário por todos os álbuns, até mesmo quando ela sai do soul e do r&b proposto junto dele. Aqui não poderia diferir e é ele quem comanda a produção do disco de regravações. Converter canções que possuem uma estrutura pop para o rock não deve ser um trabalho simples, além de rearranjar os instrumentos e investir em novos vocais e melodias, requer habilidade para que a condensação do novo rumo seja eficiente. Não é o que acontece aqui. A intenção pode ser a melhor possível, seja quando decidiram fazer isso para os shows, ou ao migrar para o estúdio firmando a ideia da turnê, mas a execução falha quando o resultado é uma música sem dinamismo e conexão com as próprias intenções. 

Existe a possibilidade de investir em um som mais pesado sem ser uma desarmonia. A própria artista provou isso quando experimentou caminhos para o hard rock e o metal em HOLY FVCK, como a faixa “EAT ME”. Mas no recente registro, a barulheira comum ao rock agressivo comporta-se desajeitada. As canções pop de Lovato são contempladas com guitarra estridente e bateria estourada, faltando polimento na união das peças. Existe criatividade, mas falta rearranjar para ser efetivamente uma nova versão capaz de reconfigurar a estrutura e criar um material repaginado. O resultado é um som confuso, no qual nem a voz da cantora consegue mobilizar tanto interesse por ser excessivamente modificada. Mesmo regravada, é trabalhada com recursos que a tornam robótica, como as notas altas de “Cool For The Summer” e “Confident”. 

Dois são os maiores tropeços de REVAMPED: mixagem e masterização, peças que são complementares em uma canção. A primeira se encarrega de garantir a organização de todo e qualquer elemento da música, ficamos com o básico: vocal e instrumentos. Mixar seria anexar o som da guitarra, da bateria e sobrepor a voz, como se a faixa fosse um quebra-cabeça. A outra etapa, a masterização, seria o processo de polimento final, para trazer equilíbrio a todos os materiais, tornando-o, também, coeso e aprimorado para vários suportes de áudio. Com aspecto abafado, todo esse processo parece não ter ganhado o devido cuidado. Assim, o refrão descompensado de “Tell Me You Love Me”, que nem se prezou por uma remoção do coro soul ao fundo, e o turbilhão caótico da ponte de “Give Your Heart A Break”, deixam a impressão de que o trabalho não é nada mais que uma reedição. 

Imagine Demi Lovato e Oak Felder em estúdio: eles estão com uma canção estupidamente pop para finalizar, mas decidem, de último momento, adicionar uma base de guitarra pesada sem qualquer modificação estrutural para contemplar o corpo estranho que adentra o organismo celular. Como uma resposta programada, os anticorpos rejeitam essa intrusão porque a configuração está prontamente edificada pelo arranjo antes pensado, produzido e programado. Sem a devida adequação, o complemento fica deslocado. Esse é o desfecho de grande parte das canções da reconfiguração rockeira. Portanto, o álbum é uma perda de tempo?

Claramente não. Mesmo que a produção de Felder e Keith Sorrells revele falta de zelo, existem pontos cativantes. O primeiro a ser elencado possivelmente contempla mais a artista e os fãs: a possibilidade de revisitar sucessos de Lovato explorando um som que acompanhou seu surgimento artístico. REVAMPED propicia, apesar dos tropeços, assimilar como seriam suas músicas se Demi não tivesse deixado o pop rock em Unbroken, como a comovente “Skyscraper” e a eletrizante convulsão pop dançante de “Neon Lights”. Por isso que, reimaginar e reconstruir esse caminho pode ser, e foi, sinuoso. A conexão às estruturas convencionais e praticadas não deixa pensar além, não permite recriar porque reimaginação não implica tal ação, pelo menos não aqui, quando essa função, provavelmente, funcionaria melhor para o propósito deste álbum.

Tem algo de punk, de grunge e mesmo industrial na agressividade instrumental dessas canções regravadas. O primeiro lançamento como single, “Heart Attack”, demonstrou ser uma boa peça em que é possível ver o pop punk conduzir para um refrão já característico graças a percussão da versão original. Por outro lado, “Confident” é um contraponto eletrizante, com guitarra e bateria em ritmo constantemente agressivo, enquanto o refrão ganha distorções eletrônicas. O desleixo aparece com a ponte, momento em que falta pulso para controlar a voz de Demi e os instrumentos, como se existisse uma competição para ver quem soa mais alto — o mesmo problema aparece na mesma parte de “Cool For The Summer” e no refrão de “Sorry Not Sorry”. Esta, no entanto, ganha um impulso graças ao solo de guitarra de Slash, da veterana banda Guns N’ Roses. Outra adição positiva é a participação da banda The Maine, parceria que executa uma repaginação cativante de “Neon Lights” ao ganhar riffs viscerais, apesar da estrutura eletrônica ainda ser percebida. No mais, “Skyscraper” não possui muita alteração, até por ser uma balada majoritariamente de piano na versão original, mas se adequa bem a proposta, transmitindo igual emoção.

Duas canções não fazem muito sentido estarem em REVAMPED por já serem originalmente direcionadas para o pop rock: “La La Land” e “Don’t Forget”. Apesar de não comportarem a premissa do disco, são adições interessantes. Não existe quase nenhuma mudança estrutural, apenas vocais mais elevados e a guitarra aparece ríspida. Assim, soam como presentes aos fãs em que músicas notórias do álbum de estreia ganham versões com a voz amadurecida, reproduzindo igualmente a emoção trêmula das linhas finais de “Don’t Forget”: “I won’t forget, please don’t forget us”. Ponte de reconexão com sua figura adolescente, encerrar com essa faixa demarca pontos simbólicos. Vai além de uma regravação, se caracterizando como um encontro solícito com as influências dos anos 2000 que nortearam sua vertente sonora no início da carreira. Arrastada pela nostalgia, Lovato se arrisca ao reimaginar canções pop em uma aventura na qual aceitar a aposta, apesar das evidentes incongruências, rende destaques.

MAIS CRÍTICAS PARA

O último lançamento de Demi Lovato é sua aposta mais ousada até então, porém raramente é tão potente quanto a cantora finge ser.
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