“Quem é PinkPantheress?”, era este o questionamento que rondava as cabeças dos usuários em meados de 2021, quando trechos das faixas “Passion” e “Just for me”, da autoria da mesma, serem popularizados nas redes sociais. Queriam ir atrás de saber qual era a pessoa por trás de tal personalidade artística. Qual seria o seu nome? Como é a sua vida? Entretanto, a jovem resolveu manter-se privada o máximo que pode, pois, de acordo com ela, não suportava a ideia das pessoas comentando sobre suas particularidades, principalmente aquelas restritas a sua aparência física — visto possuir algumas inseguranças. Contudo, conforme passava o tempo, o nevoeiro foi se dissipando e cada vez mais detalhes foram descobertos pelo público. Hoje nós já sabemos qual é o nome dela e até mesmo onde ela nasceu e cresceu. Todavia, não sabemos de tudo, e são nas lacunas a serem preenchidas que a musicista arquitetou o seu primeiro álbum de estúdio, Heaven knows. Afinal, há coisas que só os céus sabem.
Anteriormente, PinkPantheress era apenas mais uma navegadora das redes sociais, vivendo velejando pelas publicações feitas pelos seus artistas favoritos nas mídias, como Hayley Williams, do Paramore, e os membros do grupo coreano BTS. Assim, diante disso, ela finalmente expandiu os seus horizontes musicais e descobriu na música um futuro grandioso e próspero. Então, para tornar seus sonhos realidade, a jovem tomou para si uma obrigação: produzir uma canção por dia, mesmo que bastasse apenas de um trecho de poucos segundos. Dessa forma, a britânica desenvolveu as suas habilidades e aumentou a eficácia dos seus processos criativos, para trazer unicidade à sua sonoridade e criar uma personalidade cativante para o público. Foi nessa atividade diária na qual ela deu origem a sucessos como “Passion”, por exemplo, visto que a faixa se tratou de uma das várias gravações que a artista fez no conforto de seu quarto, sendo uma das poucas selecionadas pela Pink para integrar ao seu primeiro grande lançamento, to hell with it, de 2021. Com aquele projeto, a artista diz ter criado e firmado a vertente artística do “new nostalgic”, que se definiria como a realocação de batidas de canções já conhecidas para lugares novos, as tornando adereços sonoros auspiciosos para suas produções de drum and bass, dance-pop e UK garage. Contudo, em Heaven knows, ela resolveu apurar mais as próprias ideias ao invés de fazer tantos resgates ao passado, visando atrair a audiência mais pelo seu carisma do que pela nostalgia.
Heaven knows é um trabalho louvável por parte de PinkPantheress, advindo do fluxo das várias influências carregadas pela cantora ao longo da adolescência, das quais se estendem desde a sensação febril do BTS –anteriormente citados, e sua estética atrativa aos jovens, como por exemplo as bandas My Chemical Romance e Panic! at The Disco. Sua sonoridade é composta por uma solução sólida de diversos ritmos da música contemporânea, como o R&B alternativo, alt-pop, dance-pop e dentre outros, cujas maiores qualidades marcam com força o nome da cantora na indústria e a firma como uma figura importante para a atualidade. É uma obra fundamentada na cultura britânica e no estilo de vida único dos cidadãos do Reino Unido. Sua paleta sonora diversificada pincela um retrato perfeito da vida cotidiana nos centros urbanos do país, ainda enquanto dá vivacidade e frescor às histórias criadas pelo imaginário fértil da jovem. Em “Nice to meet you”, parceria dela com o rapper Central Cee, ela idealiza o conforto de uma vida ao lado de alguém rico e famoso, que a amasse e protegesse. “Feel Complete”, outra faixa do disco, é sobre um relacionamento problemático com um alcoólico, e em “Ophelia” a mesma se imagina morta.
Heaven knows, como dá para perceber, não é uma obra que carrega consigo uma mensagem importante a ser entregue, e muito menos da qual possa ser retirado um aprendizado importante sobre a vida, em algumas de suas várias facetas. Com este álbum, Pantheress focou apenas em apurar os seus dotes musicais e a sua criatividade, desafiando o próprio talento com a confecção de canções que escapassem um pouco da sua habitualidade. Em “The aisle”, a cantora sampleia a batida vibrante do smash hit “Supalonely” de BENEE e ousa com uma produção pomposa de synth funk e indie pop. Na faixa “Blue”, a voz tenra de Pink desfila sobre a batida de future bass gerada por Sam Gellaitry e origina um verdadeiro hino de alternative dance. E no interlúdio “Internet baby (interlude)”, a mesma se encontra envolta por uma atmosfera densa e pesada, acompanhada por um som forte e incisivo de R&B. Tal premissa, no entanto, não significa necessariamente que o disco não contenha ritmos mais familiares da cantora, como o drum and bass e o 2-step. Músicas como “Another life”, parceria de PinkPantheress com o artista nigeriano Rema, e “Mosquito” possuem, em suas composições, sons característicos destes gêneros.
Em “Capable of love”, single que precedeu o anúncio de Heaven Knows, PinkPantheress, em uma das suas tentativas ousadas de inovar a própria sonoridade, ascende até o apogeu com uma canção de força avassaladora. Na faixa em questão, RISC e a cantora originam uma fusão inesperada entre drum and bass e hard rock, que conta com riffs de guitarra poderosas e batidas de bateria no refrão e uma crescente instrumental fenomenal. Na letra, a artista disserta sobre temer a possibilidade de seu parceiro terminar com ela, pois tal acontecimento a magoaria tanto que nunca mais poderia amar da mesma forma. No refrão, a artista canta: “I’m obsessed with the idea that one day it breaks up / ‘Cause after that, I know I’ll never be as capable of love / After you / After you”. É uma música linda, que possui uma profundidade temática enorme e um desenvolvimento esplêndido.
Heaven knows é uma prova verídica da musicalidade de PinkPantheress. Mesmo que não esteja sendo conferido em grande escala pelo público, o primeiro álbum da britânica ainda assim se destaca como um dos maiores lançamentos do ano. Além de possuir uma produção de altíssima qualidade e uma instrumentação fenomenal, composta por alguns dos produtores musicais mais influentes da música no momento, detém unicidade ao possuir a personalidade distinta da cantora sob os holofotes do espetáculo. É muito triste saber que muitos ainda desconhecem a presença da artista na música atualmente ou ignoram – como foi o caso dos votantes da academia do Grammy na última edição da premiação, na qual esnobaram ela, mesmo a musicista tendo possuído enorme visibilidade com o sucesso tremendo de “Boy’s a liar Pt. 2”, ao lado da rapper Ice Spice, entretanto, não é como se Pink necessariamente precisasse dessa validação de qualquer forma. Tudo o que precisava provar com este trabalho, ela provou, e com excelência.