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To See The Next Part of the Dream

10

Perto de nada se sabe sobre o génio por detrás de To See the Next Part of the Dream, o lançamento do ano que mais chamou à atenção dos devotos seguidores de shoegaze. O artista coreano Parannoul decidiu manter a sua secreticidade ao ter visto o seu projeto ser catapultado para o topo das tabelas dos mais aclamados álbuns do ano, revelando pouco mais que ser um estudante que produz música no seu quarto em Seoul. O seu formidável lançamento leva o efeito catártico do shoegaze a novos níveis, anteriormente inexplorados pelos precedentes — as camadas infindáveis de guitarras geram momentos explosivos, profundamente emocionantes e crus. Este é um disco com uma maturidade digna de louvor, em que a complexidade de um estado mental depressivo e excepcionalmente angustiado encontra conforto na sua libertação entre as texturas ásperas do ruído de riffs elevados ao expoente da distorção. A voz do artista, numa exaustão comovente, é abafada e afundada entre os estrondos instrumentais. Esta não se pretende afirmar totalmente, servindo apenas de meio para um desabafo incompleto, ainda sufocado pela miséria inescapável de uma realidade dura e azul.

O segundo disco de Parannoul rapidamente se elevou ao estatuto de um clássico entre os recentes lançamentos de shoegaze, e certamente será comemorado e aclamado como uma obra-prima nos anos que ainda virão.

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Smiling With No Teeth

09

Smiling With No Teeth é uma verdadeira fusão de géneros sem precedentes, apoiando-se em bases de hip-hop industrial, funk, soul, R&B e até alguns traços de post-punk — uma variedade musical que impressiona quando considerada a consistência do projeto. Com uma indiscutível produção imaculada que não deixa de impressionar a cada escuta e com vocais excepcionais de Owusu, o artista mostra a sua versatilidade entre o canto e o rap, combinação que é cada vez mais rara no paradigma recente do hip-hop.

As letras do disco também não ficam longe da altura da fasquia que a música define. Em “I Don’t See Colour”, Kofi retrata as lutas diárias da população racializada, sujeita aos abusos da brutalidade policial e a estereótipos racistas movidos por ódio e ignorância. Ao mesmo tempo que o faz, o artista chama atenção às frequentes desculpas criadas pela população branca de maneira a se desresponsabilizar de séculos de opressão violenta, simultaneamente apontando para as diferentes e injustas expectativas impostas à população negra. De seguida, em “Whip Cracker”, Owusu escreve, de forma genial, sobre uma América profundamente assombrada por tantos anos de escravização e opressão, enquanto pinta uma nova realidade em que o “master” toma agora o lugar daquele que oprimiu durante tanto tempo. A narração do artista prova a sua genialidade em retratar realidades duras sob ritmos groovy e extáticos. — Simão Chambel

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evermore

08

Após apenas 5 meses do lançamento de folklore, Taylor decidiu lançar evermore, por ela considerada como uma irmã do último álbum e uma continuação dela a explorar estes novos sons que contêm elementos de folk e pop alternativo. Apesar das fortes semelhanças entre os álbuns, é notável a diferença na sonoridade. Enquanto folklore foi aquele choque inicial de mudança de gênero, evermore é um projeto que já conhece bem a si mesmo e que traz uma paz de espírito colossal e um sentimento de esperança.

Trabalhando novamente com Aaron Dessner e Jack Antonoff, Swift se desafia a encontrar novas dimensões, fluindo de momentos mais pop, como “long short story” e “gold rush”, para outros mais country, como em “no body, no crime”, ou até experimentação em “closure”. Entrelaçada com histórias fictícias, narrativas melancólicas e composições surreais, evermore é um verdadeiro deleite artístico na carreira da cantora. — Gerson Monteiro

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CALL ME IF YOU GET LOST

07

Apesar de, em comparação aos seus 2 álbuns anteriores, este ser inferior no nível de qualidade, Tyler ainda consegue, com Call Me If You Get Lost, elaborar um disco que se destaca como um dos melhores lançamentos de hip hop do ano. Contendo uma história de seu alter-ego Tyler Sir Baudelaire, o rapper consegue narrá-la de uma forma excelente, por meio de suas composições. Fora isso, o artista ainda traz algumas das melhores produções do gênero, em 2021, e um flow potente e impecável, que faz com que seus raps estejam fenomenais. — Davi Bittencourt

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SINNER GET READY

06

Quebrando diretamente com aquilo que era esperado — batidas industriais e largas caixas sintéticas —, SINNER GET READY, o terceiro registro da cantora estadunidense Kristin Hayter, surge com o trabalho mais impressionante da multi-instrumentista. Sendo ambientado na zona rural de Pensilvânia, o álbum é um relato assustadoramente fascinante sobre solitude humana. Utilizando das grandes paisagens cinzentas norte-americanas e passado religioso catolico, Hayter edifica um disco complexo, profundo e extremamente visual e dinâmico. Essas são faixas visceralmente libertadoras, transmitindo, pela potente voz da cantora, emoções intrínsecas da alma humana, as quais relutam em meio às relações da humanidade, divindade, religião e moralidade. Em “I WHO BEND THE TALL GRASSES”, por exemplo, Hayter grita, quase como se fosse estourar e romper com suas cordas vocais: “I don’t give a fuck / Just kill him / You have to / I’m not asking”. Similarmente, em “PENNSYLVANIA FURNACE”, a artista cria uma sintonia entre uma lenda de cachorros que foram mortos no fogo de uma forno pelo seus donos e o desespero perante uma crise social de solidão pessoal. Nada nesse ano foi tão purgativo assim. — Leonardo Frederico

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Red (Taylor’s Version)

05

Se Red, o quarto disco da Taylor Swift, já era um disco grandioso, Red (Taylor’s Version), a segunda regravação do projeto da cantora de reconquistar os direitos de suas masters, consegue ser ainda mais integralizado, múltiplo e cobiçoso. Com quase o dobro de faixas da versão original e pouco mais de duas horas de duração, o disco expande o universo criado na versão original, indo além de apenas um relato verossímil sobre um término de relacionamento, mas sim a desconstrução e reconstrução de um indivíduo durante uma crise amorosa, concretizando uma nova visão sobre si mesmo, suas relações e o mundo ao seu redor. 

Uma das principais características de Red é sua sonoridade, que, diferente de todos os outros discos de Swift, não segue uma paleta sonora propriamente dita. Isso fica claro nas transições entre as canções “Treacherous” e “I Knew You Were Trouble”: enquanto a primeira trabalha em torno de cordas e baterias discretas, a segunda explode com a produção eletrônica de Max Martin e Shellback. No entanto, essas divergências são capazes, de alguma forma, convergir em Red, com seu caráter pendendo mais para um lado completo do que bagunçado e sem fio narrativo. No caso da regravação, por sua vez, a produção ficou mais afiada, como na abertura, a qual soa ainda mais forte com um leque ainda mais completo de instrumentos. Até mesmo as canções mais apagadas, como “Everything Has Changed,” com Ed Sheeran, e “The Last Time”, com Gary Lightbody, do Snow Patrol, soam mais desenvolvidas e detalhistas. 

Por fim, porém, o grande destaque acaba sendo as faixas do cofre, as quais não foram lançadas na época do disco por pressões da gravadora. Enquanto “Nothing New”, com Phoebe Bridgers, estabelece uma dinâmica curiosa entre as duas artistas cantando uma faixa sobre as crises existenciais de se manter interessante o suficiente na indústria musical, “Babe” e “Better Man”, ambas as quais haviam sido gravadas por outras bandas no passado, surgem com momentos particulares de fusão pop e country. No entanto, a peça principal de todo o disco é a versão estendida de “All Too Well”, a qual não simplesmente ganhou uma nova roupagem pela produção de Jack Antonoff, como também fortaleceu e avolumou aquela que era considerada a melhor canção de Swift, ampliando seus versos e pontes para captar os mínimos detalhes de um relacionamento destinado ao fracasso desde o seu começo. De modo geral, Red (Taylor’s Version) é o melhor e mais completo registro de Swift. — Leonardo Frederico

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The Turning Wheel

04

Revelando uma mudança dos seus últimos projetos, Chrystia Cabral abraça totalmente o género do pop barroco em The Turning Wheel — um disco repleto de instrumentos orquestrais que geram melodias que se cruzam, apresentando vocais emocionantes e sonoridades triunfantes. O disco é acompanhado por um discurso críptico, subordinado a simbolismos e conexões semióticas, ainda que, ao mesmo tempo, seja elementar de tal forma a não ameaçar uma estrutura narrativa estável. A roda giratória representa, tal como Cabral destaca no texto que acompanha o lançamento do álbum, o sentimento de ser imobilizada pelas estruturas e normas de uma cidadã do mundo moderno. A roda que gira ininterrupta e ciclicamente acaba por se tornar num espelho das inquietudes e preocupações pessoais e políticas da artista — tanto as estruturas das melodias como a capa do álbum transmitem tal ideia de movimento e fluidez.

The Turning Wheel abrange uma panóplia de sons e instrumentos que funcionam como estímulos dos quais o ouvinte se apropria para a construção do seu próprio universo do álbum. Um universo que é certamente repleto de motivos cósmicos e místicos, capazes de provocar fortes e incontornáveis emoções. A partir deste álbum, o ouvinte cria a sua própria realidade construída, que servirá de refúgio sagrado que o fará voltar para mais. — Simão Chambel

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Daddy’s Home

03

Houve um certo período da carreira de Annie no qual seus álbuns focavam no impacto do choque, da surpresa com suas características guitarras distorcidas e estendidas ao máximo. “Northern Lights”, do projeto Strange Mercy; “Birth in Reverse”, do seu autointitulado; e “Pills”, do vencedor de Grammy Masseduction, todos esses são exemplos perfeitos e marcantes do estilo em que St. Vincent foi mais bem sucedida. Entretanto, o magnânimo Daddy’s Home, lançado neste ano, com diversos singles prévios — entre os quais “Pay Your Way In Pain”, uma das melhores canções do ano e única no registro que ainda conta com resquícios da “velha Clark” —, quebra mais esse paradigma. A cantora dedica o conceito e algumas das faixas à volta de seu pai para casa, o qual, em 2010, fora preso, julgado e sentenciado a 12 anos de reclusão. Isso torna-se evidente, por exemplo, na faixa-título: “I signed autographs in the visitation room / Waitin’ for you the last time, inmate 502”, ela relembra os dias de visita na prisão. 

Além disso, Daddy’s Home é, também, um álbum de homenagens e sinceros agradecimentos; Annie Clark abstém-se de prepotência e reconhece com humildade a importância das artistas femininas vindas antes dela, em tempos ainda mais árduos e restritivos, como Joni Mitchell, Marilyn Monroe, Tori Amos e Candy Darling (que, até mesmo, possui um faixa exclusivamente para si). Em “The Melting Of The Sun”, St Vincent elabora uma narrativa, subsidiada por (um incrível uso de) sitars e (reconfortantes e nostálgicos) vocais de fundo em coro, sobre o seu medo de estar, de alguma maneira, decepcionando seus ídolos. Nessa música, a artista apresenta um único desejo: “It’s just the melting of the sun / I wanna watch you watch it burn”, de modo que o sol, essa grande, imutável e infinita — à percepção humana — estrela represente a robusta estrutura machista dominante da sociedade atual. No mais, Daddy’s Home oferece extrema precisão na captura de elementos antigos, principalmente do rock psicodélico e progressivo dos anos 60. Lá tem material suficiente para complementar os “TBTs” da geração x no Instagram. — Kaique Veloso

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Delta Estácio Blues

02

Depois de misturar jazz com rock e evocar sua ancestralidade no disco Encarnado, de 2014, Juçara Marçal, mais uma vez debruça-se sobre a experimentação de sons e arranjos orquestrados por Kiko Dinucci — seu parceiro de banda, que juntos fizeram história na renovação da Vanguarda Paulista com os trabalhos da banda Metá Metá — para, então, criar uma abordagem narrativa e sonora totalmente inusitada e diferente do que ela já havia feito e testado antes. Além da profundidade na produção, o álbum também apresenta algumas observações pertinentes ao momento em que estamos vivendo, como na faixa “Sem Cais” e a alegoria dos emojis que representam a interação entre pessoas e grupos no século 21. Outro momento que se destaca nesse sentido fica por conta da sequência “Ladra”, “Crash” e “Baleia”, sendo essa última uma das canções mais difíceis de se digerir entre todas, justamente por conta do som industrial pesadíssimo e a composição que parece nadar na contramão da percepção desenvolvida no instrumental confuso e igualmente catártico. Enquanto isso, “La Femme à Barbe”, de Brigitte Fontaine, ganha uma roupagem nova aos moldes de Juçara, que, inclusive, canta perfeitamente em francês, sem dúvidas, um dos pontos altos do disco. Há muito o que dizer sobre Delta Estácio Blues, um disco que certamente ficará marcado como destaque nos lançamentos nacionais — não só desse ano, como também dessa nova década. Não é exagero nenhum consagrar essa obra como um ponto de virada na carreira de Juçara e, consequentemente, nos rumos da Vanguarda Paulista e de todos os seus colaboradores. — Matheus José

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Sometimes I Might Be Introvert

01

Nos últimos 100 anos, desde que o termo “introvertido” foi inicialmente introduzido por Carl Jung, ninguém, na indústria musical, pontuou uma definição tão interessante quanto Little Simz. Em uma entrevista para o britânico The Guardian, a cantora disse seu quarto registro, Sometimes I Might Be Introvert, é, em suma, sobre ela ser uma pessoa introvertida com os mais diferentes, mas apenas ter uma forma de convergir esses pensamentos e lançá-los para o mundo: por meio de sua arte. Com precisão, felizmente, seu último lançamento, mais do que qualquer outro projeto seu, é capaz de canalizar com perfeição todas as ideias intrínsecas em sua mente e jogá-las para fora, com perfeição.

Durante suas 19 faixas, Sometimes I Might Be Introvert aflui para um trabalho grandioso, desafiador, refinado, elegante e ambicioso, orientando-se com base nos pensamentos mais voláteis e latejantes da cantora. Essas são canções visionárias tanto em composição, retratando não somente pensamentos mais abstratos de Simz, como também suas visões políticas e sociais, para além de uma sonoridade contempladora, cinemática e robusta. Na abertura, por exemplo, que é acompanhada por uma orquestra de desfile, Simz lança as linhas mais potentes de sua carreira: “Sometimes I might be introvert / There’s a war inside, I hear battle cries” e “Projecting intentions straight from my lungs / I’m a Black woman and I’m a proud one”. Essa faixa, em específico, nasce como um grande manifesto que não se mantém apenas na esfera política, mas brinca em todas as zonas interpessoais: seu interior, as pessoas à sua volta, seu mundo, seus governantes e aqueles que te seguem. Nada foi simultaneamente honesto, pujante e responsável nos últimos anos como essa canção. 

De modo geral, positivamente, Sometimes I Might Be Introvert, em sua totalidade, reproduz as melhores qualidades da faixa de abertura. Enquanto em “Woman”, por exemplo, ela narra a vida de diversas mulheres negras ao redor do globo, em “Little Q Pt 2”, ela retrata a história de um jovem negro londrino e suas lutas do cotidiano. “They told me I had been in a coma for two weeks / But time is an illusion, my mind told me I’m invincible / But my body reminded me I’m human”, ela canta. Porém, se o disco seguisse apenas uma via, ele não seria tão completo quanto ele realmente é. Dito isso, é interessante observar como as canções de Simz abrangem uma vida em sua completude. Em “Two Worlds Apart” e “I See You” são retratados a vida amorosa e íntima da cantora, enquanto “I Love You, I Hate You” se apoia totalmente em problemas paternais. São pequenos fragmentos que além de serem ótimos por si só, e quando postos juntos, formam essa espécie de universo mental inegavelmente singular. Dito isso, diretamente, Sometimes I Might Be Introvert é o melhor álbum de 2021. — Leonardo Frederico

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