
De uma forma primitiva e ritualística, a primeira música começa delirante e intrigante. O que parece ser uma letra sobre o espaço e abdução alienígena rapidamente se transforma em um tipo de diálogo direto com um ex ou futuro amante. Certamente, isso define a experiência promovida pelo Ry Ry World, é a declamação do amor e do desespero de se afogar na vida de alguém. Mas também com algumas reviravoltas e trocadilhos sobre a anterior área de conhecimento da artista: a Ciência.
“I can’t love you if I don’t trust you”, é uma declaração sobre confidencialidade, retidão e, o mais importante, fidelidade. No videoclipe de “Aura”, a vocalista sobe para um registro superior no momento em que é atingida por uma flecha e flutua alto para o espaço. Talvez isso possa ser referencial a quando um pacto é rompido e um dos signatários, acidentalmente ou não, propositalmente ou não, se apaixona por outra pessoa. Além disso, “2You” estende o sentimento de decepção arrependimento, relembrando as velhas experiências e a “relação-lar” construída, mas, depois, lamentando-se delas e de seu final: assim como Björk lamenta o enterro de sua família no fim de seu casamento, em Vulnicura, aqui Mariah cobriu a si e a suas lindas lembranças em terra, num túmulo.
Embora tenha uma das produções menos interessantes e desanimadoras, “RIP“ aparece como a letra mais tocante e comovente do álbum. Difuso. Impreciso. Enevoado. Simplesmente sujo. A linha do grave e os sintetizadores nessa faixa não são nada bons — também se parecem com alguns dos últimos singles de Doja Cat, como a hipersexual “Need To Know’”. Apesar disso, a abordagem de Mariah sobre o esgotamento da vida é convincente, se não alarmante, pois ela descreve uma cena em que chama o operador para chegar aos andares mais altos, sem deixar um bilhete de despedida ou responder aos pagers de sua mãe. É implacavelmente triste, gradualmente desconcertante e friamente distante.
A segunda metade da tracklist, por outro lado, é tristemente apagável com sua mistura, batidas de trap sem vida e cansativas ou melodias vocais alongadas —características dos hits habituais do hip-hop e do r&b que você pode ouvir o tempo todo no rádio. No entanto, duas das músicas têm letras realmente ótimas e reveladoras: “Brain” e “Maybe”. O primeiro sobre um episódio de burnout que ela experimentou, por conta de coisas que ela admite ser “All in my mind/Hidin’ my brain”. Ela também fala sobre seu parceiro encontrá-la no chão do banheiro, o que lhe confere um lado confessional e vulnerável de uma mulher que, até então, parece forte e segura de si.
Segundo os rumores, Mariah namorou, há tempo, o conhecido rapper Lil Yachty. Aqui, no álbum, a cantora dá vislumbres de detalhes sobre isso e como era difícil ter alguém, mas não se sentir bem consigo mesma. Uma flecha no coração. A capa do álbum explora essa imagem de dano interno, enquanto, em vez de parecer sofrida ou contorcida com isso, a cantora parece feliz e alegre. Considerando que um coração apunhalado por uma flecha pode ser uma metáfora para uma separação, Mariah não está, nem um pouco, com o coração partido. Isso porque, em “Revenge”, ela canta — na verdade, ela quase imita a melodia da colaboração de sucesso de Billie Eilish e Khalid, “Lovely” — toda sua raiva e repulsa por um ex-namorado, que ela deseja ver morto, enquanto está vestida toda de preto ao lado da mãe e dos amigos dele. Amargo. E mórbido. Mas, ainda assim, necessário para o encerramento da história.
Em última análise, Ry Ry World é surpreendentemente bom com seu conteúdo lírico. A capacidade da cientista de expressar seus sentimentos é como uma vitrine, onde você pode ver a profundidade de sua alma. Mas, infelizmente, algumas das escolhas de batidas e bases não são tão favoráveis, tampouco elegantes. É como o mais lindo presente embalado no papel celofane cinza mais cafona.