Algo notável na indústria fonográfica nos últimos tempos é que os artistas estão cada vez mais buscando referências do passado para elaborar suas obras musicais. Em 2020, no como Dua Lipa e The Weeknd levaram à música pop atual o disco e o synthpop dos anos 80, ao passo que, Beyoncé e Troye Sivan trouxeram o house noventista e “I’m Good (Blue)”, de David Guetta em parceria com Bebe Rexha, iniciou uma tendência de pegar clássicos do eurodance e fazer versões modernizadas desses.
Por mais que esses nomes tiveram o êxito de levar de volta às paradas musicais sonoridades que tiveram seu auge em outros tempos, não era difícil buscar por artistas de nu-disco ou faixas synthpop, por exemplo, mesmo que entre os maiores hits estas não predominassem. Com o jazz, entretanto, a situação é diferente. Ele — ao menos em suas formas mais acessíveis — entrou em um declínio tão grande que surgiu uma polêmica de que o Spotify estava pagando freelancers para fazer canções de jazz e colocar nas playlists do ritmo. Laufey, curiosamente, consegue ganhar popularidade com esse som e, Bewitched não apenas se destaca por reviver uma sonoridade que estava se perdendo no passado, como também, pela excelência a qual ela cria uma atmosfera sonora que leva o ouvinte ao cenário do pop da década de 50. Além disso, suas composições demonstram a grande habilidade em elaborar letras incrivelmente belas.
As canções de Bewitched têm êxito em diversos aspectos ao construir um som que remete a períodos em que o jazz estava em alta. Na canção introdutória, “Dreamer”, por exemplo, não apenas sua produção instrumental consegue, com excelência, trazer referências do gênero, como também o vocal de Laufey destaca-se por entregar de forma fantástica a energia das vocalistas do estilo nos anos 50. “California And Me”, outro destaque, além dos aspectos que ganham ênfase na introdução do registro, apresenta uma instrumentação ainda mais lustrosa com pianos e instrumentos de orquestra tocados por Philharmonia Orchestra que soam bastante estonteantes.
Embora todos os momentos do projeto sejam de uma qualidade sensacional, os melhores são aqueles em que ela foge de explorações comuns do cenário musical dos anos 50, não se limitando apenas ao jazz, Bewitched consegue executar sua proposta sonora com ainda mais maestria. Essas músicas são representadas, principalmente, pelas quais Laufey opta por virar seu olhar à música brasileira daquele período e se aventura na bossa-nova. “Haunted”, por exemplo, é apaixonante. Sua instrumentação, com a guitarra acústica do gênero originário do Brasil, acompanhada de uma orquestra estonteante, é fantástica. Já “From The Start” torna-se a canção mais fascinante da obra por diversos quesitos: a energia brasileira que a percussão traz, o caráter sofisticado que elementos como o piano dão a ela e, acima de tudo, todo o ritmo encantador construído na faixa.
Nas composições, Laufey aborda suas experiências e sentimentos com um relacionamento que deu errado. Muitas dessas se destacam pela forma admirável com a qual ela escreve sobre esse tema. Em “Haunted”, a artista compara o amor que está vivenciando a uma aparição fantasmagórica, pois, como a sensação de estar sendo assombrada por um fantasma, sua relação é passageira, já que, o parceiro vê isso como algo descartável. É formidável como ela constrói, pela lírica, o ambiente de uma casa com a presença de uma assombração para expressar como é quando a cantora está junto ao seu cônjuge: “Rose perfume, low-lit room / I’ll pretend you’ll stay forever / Lay me down, ghostly sounds / Haunt the hallways as he wraps me around”. A melhor canção nesse aspecto, entretanto, é “Letter To My 13 Year Old Self” que, como o título supõe, é uma carta para seu eu do passado em que ela fala o que gostaria de dizer para consolá-la durante a adolescência. É muito intrigante como ela expõe as situações ruins que passava naquela época, especialmente por ter crescido em um lugar em que era vista como diferente devido às suas características étnicas do leste asiático No entanto, agora, ela conquistou diversos feitos em sua vida e tem uma autoestima muito mais alta para dizer a si mesma aos 13 anos o quão especial é: “I’m so sorry that they pick you last / Try to say your foreign name and laugh / I know that you feel loud, so different from the crowd / Of big blue eyes, and long blonde hair, and boys that stare / But, baby, know that”. No geral, Bewitched não apenas consegue ter êxito em colocar o jazz de volta ao mainstream como também é uma excelente reconstrução do cenário musical dos anos 50.