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Blue Banisters

2021 •

Asthmatic Kitty

8.6
Em seu oitavo álbum, Lana Del Rey retoma sua narrativa em um país em decadência, dançando contra o fim do mundo e permitindo-se entregar suas faixas mais empiristas em anos.
Lana Del Rey - Blue Banisters

Blue Banisters

2021 •

Asthmatic Kitty

8.6
Em seu oitavo álbum, Lana Del Rey retoma sua narrativa em um país em decadência, dançando contra o fim do mundo e permitindo-se entregar suas faixas mais empiristas em anos.
22/10/2021

Nos últimos anos, ninguém foi tão influente, culturalmente falando, quanto Lana Del Rey. Desde sua estreia, no começo da última década, até seus trabalhos mais atuais, a cantora nascida Elizabeth Grant vem traçando um caminho dourado, que vai muito além de trabalhos e projetos bem sucedidos, mas também obras referenciais no mundo do pop casual. O escritor britânico Michael Cragg disse uma vez que “a geração Tumblr e Instagram viu Lana Del Rey como este emblema perfeito de tristeza sedutora”. Esse caráter singular da cantora nasceu junto com seu lançamento como cantora. Ela surgiu em um ambiente de músicas pop que se mesclavam com o EDM. Tirando as poucas baladas dramáticas sobre corações partidos, raramente havia espaço para canções que não fossem sobre contos otimistas e noites épicas de balada. Lana Del Rey, por outro lado, foi o catalisador do movimento responsável por mostrar que músicas tristes mereciam ser ouvidas mais uma vez. 

Durante os dez anos de sua carreira, Lana Del Rey mudou constantemente de estilo. Para muitos, ela era uma estrela perdida que se via atirando para todos os lados, desesperadamente tentando encontrar um som, uma lírica para chamar de sua, em que ela desenvolveria um estilo inegavelmente dela. Del Rey passou de uma fusão pop com clássico em seu primeiro disco, Born To Die, de 2012, para músicas inspiradas em musas do Tumblr, que vestiam vestidos pretos, andavam de salto, ocasionalmente arrumavam seu cabelo e seu rímel escorrido, em Ultraviolence. Depois, uma tentativa de seguir a Era Art Déco do cinema clássico hollywoodiano se mostrou constantemente monótona em Honeymoon, e as imagens de filtros alternativos e coroas de flores de Lust For Life se tornaram rapidamente datadas. Era uma imagem de Del Rey tentando as mais diversas personalidades, mas nenhuma se sentia suficientemente concreta para ela. 

Foi só em seu quinto álbum, Norman Fucking Rockwell!, que Lana Del Rey atingiu seu ponto mais forte. Co-escrito e produzido por Jack Antonoff, o disco mostrava Del Rey fazendo o que ela sabia fazer melhor — interpretando uma mulher cheia de luxúria em decadência — em um universo cultural de desespero puro. “Kanye West is blond and gone / Life on Mars ain’t just a song”, ela canta em uma das faixas final do álbum, “The greatest”. Foi um projeto intrinsecamente único, terrivelmente honesto, assustadoramente elegante e incontestavelmente cinemático. Infelizmente, o projeto que se seguiu, Chemtrails Over the Country Club, não foi tão sagaz quanto seu antecessor, frequentemente se perdendo em momentos sem brilho. Os quadros de um país em caimento se borraram em cenas teatrais que pareciam confusas entre enaltecer a simplicidade da vida norte-americana ou criticar essa sobriedade e saudosismo.

Esse histórico de Del Rey é importante não apenas para ressaltar seu passado, mas mostrar que ela sempre foi uma estrela complicada — provavelmente, a mais complicada de todas. Em setembro, Lana deletou todas suas redes sociais. De acordo com ela, isso decorreu de sua carência por transparência e privacidade. “‎Eu tenho tantos outros interesses e outros trabalhos que eu estou fazendo que requerem privacidade e transparência‎”, disse ela em um vídeo postado no Instagram antes da desativação. Mas claro que isso vai muito além de uma questão comum entre várias celebridades. Nos últimos anos, a cantora foi constantemente criticada pela maneira que usava suas redes: ela anunciava lançamentos de álbuns que não existiam, agia de forma impulsiva, contribuía para discórdias e, segundo muitos, fez comentários racistas — no caso, a questão sobre ela citar apenas cantoras negras com artistas que usam sexo e seus corpos para fazer dinheiro. 

Todo esse contexto contribui para apenas uma coisa: seu oitavo disco, Blue Banisters — que por si só passou por seus problemas que, a essa altura, são mais uma parte comum da vida de Del Rey do que erros e empasses ocasionais. Apesar disso, Blue Banisters é o segundo melhor trabalho dela até então, ficando atrás apenas de seu épico angelino NFR!. Trabalhando com um novo time de produtores — Gabe Simon, Zach Dawes, Dean Reid e Mike Dean —, Lana deu uma nova roupagem para seu trabalho, entregando uma liga equilibrada dos melhores momentos de sua carreira em contraste com uma visão ambiciosa, apostando em faixas empiristas que acabam sendo os pontos mais arriscados em sua carreira em anos. Ainda que Blue Banisters não seja tão cirúrgico, bem ambientado e ultimado quanto o álbum de 2019, ele ainda mantém uma postura sofisticada e despojada.

Blue Banisters é talvez o álbum mais texturizado de Lana. É muito intriguista como a produção mais rústica do álbum consegue dar espaço para cada elemento de cada faixa ecoar com toda sua potência. Até mesmo em Norman Fucking Rockwell!, com sua excelente produção de Jack Antonoff, que hoje em dia parece estar sendo evitada, não tínhamos visto algo tão visceral e cru quando aqui. Visualmente, é quase como se o som dos últimos álbuns de Lana estivesse em degradês perfeitos e transições de mesclagem incrivelmente homogêneas. Enquanto isso funcionou em Norman, em Chemtrails isso foi o grande vilão, conduzindo o som a se perder, muitas vezes soando parecidas e, até mesmo, sem charme. Contudo, em Blue Banister, Lana opta por abandonar essas junções homogêneas por rompimentos abruptos, instrumentos que, apesar de se encaixarem dentro da faixa, soam como componentes à parte. De certa forma, tudo soa mais vívido, nítido e ativo, diferente do caminho que as produções de Antonoff seguiram nos últimos meses. Claro que ainda temos um caráter contemplativo no som, ainda assim, esse nunca se torna passivo ao ouvinte, se tornando um elemento indiferente a sua existência e o mundo ao seu redor. Essa característica pode ser vista em faixas como “Nectar of the Gods”, na qual é possível sentir toda extensão de uma corda metálica de um violão sendo puxada — ainda, se você tiver imaginação o suficiente, você pode sentir o cheiro da madeira velha do instrumento.

Ademais, esse é também o álbum mais ambicioso de Lana até o momento. Novamente tomando como ponto referência o disco de 2019, por mais que ela já tivesse atingindo pontos de excelência em grandeza, cantando ao lado de cordas sofísticas, pianos robustos e sintetizadores estilizados, aqui ela parece jogar da forma mais selvagem até então. Lana mistura o teor clássico de músicas que seguem os moldes do cinema dos anos 1940, com canções que soam como peças passadas de sua discografia e novos ares, apostando em vieses atemporais de rock da década de 1960. Na faixa “Dealer”, por exemplo, Del Rey se junta a Miles Kane, para rasgar seus vocais ao ponto que ela nunca rasgou antes, ecoando não necessariamente bonita, mas emocionalmente honesta consigo mesma. Mas o elemento central desse certo “experimentalismo” é “Black Bathing Suit”, uma faixa que mescla um cenário fúnebre repleto de corvos com a cantora enfrentando problemas de ordem estética. O destaque, no entanto, é principalmente pela forma que ocorre a quebra da construção do clímax da faixa: até o pré-refrão, tudo soa normal, porém, no gancho, tudo se fragmenta em ritmos dessincronizados, sofrendo com interferências de sintetizadores, seguidos no final por vocais, que, assim como em “Dealer”, são assustadoramente apaixonantes. 

Em contraste, outro ponto interessante sobre Blue Banisters é como o disco conta com faixas que Lana Del Rey nunca produziu, mas satisfazem um arquétipo perfeito dela mesma. Olhe para faixas como “Beautiful”, “Violets for Roses” e “Living Legend”, essas são canções evidentemente de Lana, entretanto, simultaneamente, elas soam frescas e diferentes do que Del Rey fez no passado. Enquanto a primeira conta com um piano, facilmente associado a ela, a segunda atua em continuidade da narrativa de romances desastrosos — “You made me trade my violets for roses / You tried to trade in my new truck for horses / Don’t forget all of these things that you love are the same things I hate” —, e a última roda em torno de um tema um tema decerto já abordado por ela: a idealização de um parceiro romântico. “And baby you, all the things you do / And the ways you move, send me straight to heaven / What I never said, is you’re my living legend”, ela canta. Curiosamente, é o tipo de música da Lana Del Rey, escrita pela Lana Del Rey que ela nunca realmente fez — ou pelo menos, não nesse nível. 

Uma das maiores decepções de Chemtrails foi o rompimento com toda a parte crítica de Del Rey. Em 2017, ela parou de performar na frente da bandeira estadunidense. Todavia, seus apontamentos sobre capitalismo, cultura e sociedade se tornaram imagens de mulheres amigas em clube de campo no último álbum. Em Blue Banister, porém, por mais que ela não volte com a mesma índole certeira, ela consegue se ambientar em uma nação em empobrecimento. Em “Arcadia”, por exemplo, ao lado de sopros e cornetas gentis e requintadas, vindas da outrora hollywoodiana, ela canta (novamente) sobre ser uma garota perdida nas cidades dos anjos. “My body is a map of L.A. / And my heart is like paper, I hate ya / I’m not from the land of the palms, so I know I can’t stay here”, ela diz. No final da faixa, ela retoma: “By the way, thanks for that, on the way, I’ll pray for ya / But you’ll need a miracle / America”. 

A música de abertura de Blue Banisters é uma das melhores músicas de Lana. Ambientada nos confrontos sociais norte-americanos do ano passado, Del Rey abre seu diário para falar sobre si mesma, um Estados Unidos problemático, seu pai e seu companheiro. “God, I wish I was with my father / He could see us in all our splendor / All the things I couldn’t want for him”, ela derrama no refrão. Uma tristeza é sentida nessas palavras, um terror agonizante em partes. O nome do álbum, assim como seus irmãos, carregam um significado maior. Nesse caso, corrimão representa algo para se segurar, para você não cair, e a cor azul, a tristeza. Por anos, Lana Del Rey se baseou na tristeza de sua vida para se sustentar e àquilo que ela ama. Na faixa final, uma carta para sua irmã, ela recita: “I’ll always be right here / Closer to you than your next breath, my dear”. Independente de toda crítica que ela recebe diariamente, ela continua sua jornada, fazendo o que ela sabe melhor: ser ela mesma.

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