Faz uma década que Josh Tillman tem seguido sua carreira solo, mas, de alguma forma, esse período parece ser muito mais extenso e esticado. Digo isso, principalmente, pelo fato de seus registros, cada um deles, soarem de forma diferente: enquanto sua estreia de 2012 ressoava em tonalidades de uma estrela de rock brincando com o folk; I Love You, Honeybear, de 2015, foi dolosamente abrangente, trabalhando um romance verídico dentro de uma sociedade corrompida; e Pure Comedy, com seus quase 80 minutos de duração, foi um tiro ambicioso do cantor de construir um universo apenas para ele, um mundo fictício onde ele poderia ser, fazer e presenciar o que quisesse. Comparado com seus antigos amigos de banda, o Fleet Foxes, Josh, artisticamente, teve uma direção mais prolífica e ávida, enquanto o grupo liderado Pecknold se manteve nos trilhos da segurança e sempre entregaram algo excelente.
O quinto disco de Tillman sob o nome artístico Father Josh Misty, Chloë and the Next 20th Century, se mantém, em grande parte, nessa linha visionária que ele vinha seguindo desde os primórdios de sua carreira. Deixando de lado o rock de seu primeiro álbum e o auxílio de grupos de mariachis de I Love You, Honeybear, Chloë é o disco mais singular, estilisticamente falando, de Tillman. Em uma retrospectiva ousada, Josh celebra a era do Ouro de Hollywood e trabalha em torno de uma instrumentação clássica, elegante, atemporal e cinematográfica. Sem dúvidas, um trabalho fino, chique e refinado. Mas, soa tão grande ou visionário quanto os outros? Não. Seu ponto, talvez, mais inovador, propriamente falando, seria justamente sua gênese de tentar abraçar referências com quase um século de idade da forma que ninguém fez até agora. Um saudosismo complexo, mas que raramente se importa se está sendo monótono demais.
Se a principal inspiração para Chloë foi, essencialmente, os moldes hollywoodianos do começo da década de 30 até meados dos anos 1940, Tillman conseguiu concretizar muito bem eles em uma nova forma midiática de consumo, quase cem anos depois. Na abertura, por exemplo, os instrumentos refletem a mesma paixão da câmera cinematográfica por suas atrizes arquetípicas: quando Josh canta sobre Chloë e suas cordas suaves reverberam fortemente, você sente que ela não é apenas uma linda mulher, mas a mais linda de todas, você não sente que ela é só uma grande mulher, mas a maior de todas. Da mesma forma que Bette Davis, Elizabeth Taylor, Rita Haywood e mesmo Monroe se eternizaram pela união de suas grandes performances e pelo poder de encantar as câmeras, Chloë faz o mesmo na pequena ficção de Tillman.
Para além, grande parte das obras de Misty são pautadas em musas, sendo elas inventadas, partes de um livro, ou, até mesmo, na vida real, como quando sua esposa Emma Elizabeth foi a razão das narrativas pessoais e intimistas de I Love You, Honeybear. Isso novamente se reflete nas canções desse seu último disco. Em “Chloë”, por exemplo, ele se apaixona por uma garota tão única quanto as artistas citadas anteriormente: “Chloë is a borough socialist / She insists there’s not much more to it / Than drinks with a certain element / Of downtown art criticism”. Mais tarde, “Funny Girl”, por sua vez, não deixa claro se a garota da canção é propriamente Chloë ou não necessariamente, mas o encanto de Tillman por ela se manteve: “Funny girl, you look so unassuming / Right up until the room you’re captivating Starts to fill with gut-busting laughter / And you’re transformed into a five foot Cleopatra”. Mais forte que isso é, só, a forma que Misty traça suas palavras, transformando até mesmo as cenas mais fracas em grandes clímaces.
Uma das principais características da composição de Josh é, no entanto, esse traço folclórico. Mesmo suas letras mais pessoais e íntimas se leem como grandes histórias de livros. Em “Goodbye Mr. Blue”, por exemplo, existe uma metáfora entre um gato e um relacionamento: quando o término chega, pouco tempo depois, o gato morre também, fazendo com que o cantor desejasse voltar para aquela relação na esperança de reviver o pobre gato. Com repetições, forma-se uma amarração de linhas que se situam de forma inteligente, construindo a narrativa e estabelecendo a dúvida: no final, ele estava com saudades de sua amada ou do seu bicho? No final, a resposta é clara, mas nos quatro minutos de duração é forma como a estrutura lírica se ergue em torno da real significância da metáfora é astuciosa. Da mesma forma, “Q4” entrega a história mais inusitada do cantor: uma mulher canibaliza sua irmã morta em troca do materialismo capitalista e acaba sendo exposta, pondo um fim em sua vida.
Para além das fronteiras da (quase) perfeição dos instrumentais vigorosamente elegantes de “Olvidado (Otro Momento)” e o palco empoeirado e visual que as cordas atmosféricas concretizam em “Buddy’s Rendezvous”, Chloë and the Next 20th Century é… monótono. Em seus minutos finais, o registro parece carecer de ideias e, embora ele se mantenha no mesmo nível de qualidade, isso se torna um problema quando as canções parecem não serem capazes de demonstrar algo diferente de tudo que você ouviu até ali. Logo no começo do álbum, em “(Everything But) Her Love”, já é possível sentir os sinais de redundância, e depois em “Only a Fool” e “We Could Be Strangers” isso só se torna ainda mais real. Por sorte, a faixa final, “The Next 20th Century” finaliza bem, com forte presença de elementos industriais em conjunto com crescendos sintéticos — algo que, honestamente, deveria ter sido trabalhado mais vezes ao longo de Chloë. No final, é um ótimo álbum, mas que, infelizmente, vai ter que lutar muito para não ser esquecido.