Poucos artistas da cena rap brasileira possuem um repertório tão significativo e imersivo como Don L. Em seus discos, o que mais chama atenção é a forma em que ele discorre sobre temas, os quais podem ser constantemente retratados por outros nomes, mas em nível de comparação, a sua arte é a mais expressiva entre todas. Quanto a isso, Roteiro para Aïnouz (Vol. 2), é a ponta da lança do rap nacional em 2021.
Depois de marcar a década de 2010 com a mixtape Caro Vapor / Vida e Veneno de Don L, Don L foi lentamente conquistando um destaque nítido entre os compositores e produtores mais criativos da música brasileira. E mesmo que as coisas mudem de forma rápida acerca das influências as quais grande parte dos artistas nacionais buscam trabalhar em suas obras, Don L parece entender isso perfeitamente, e essa questão é o que faz os seus álbuns serem verdadeiros retratos do momento e das situações que ele se encontra. É uma narrativa pura e sem artifícios.
Dessa forma, Roteiro para Aïnouz (Vol. 2), trata-se de um registro centrado na atual abordagem do artista acerca da sua visão — única e certeira — sobre o mundo e, principalmente, sobre o Brasil, onde ele retrata questões de uma forma inusitada para todos, inclusive, para ele. Para entender melhor como funciona todo o desenvolvimento sobre essa obra, basta analisar a situação em que nós nos encontramos. Desde a última eleição presidencial, a abordagem política na indústria musical brasileira precisou ganhar outros rumos. Há artistas que protestam, denunciam, que não se importam com absolutamente nada… e tem o Don L, o artista que se compromete. O que isso quer dizer? A resposta é simples, basta acompanhá-lo nas redes sociais para saber como o seu comprometimento acontece. Engajado em lutas sociais, Don L não se limita apenas a expor em suas músicas muito dos descasos enfrentados pelas minorias em nosso país. Ele participa ativamente na construção de movimentos em prol daqueles que são oprimidos, e quando falamos em construir, é de fato de envolver, sair às ruas, enfrentar perigos e situações das quais só servem para agregar na sua luta e na luta de seus companheiros. Comunista e artista, Don L é um gênio, e sua genialidade parece ganhar forma neste álbum, como no trecho de “pela boca”:
hoje eles que morrem pela boca
que se foda seus dólares na bolsa
suas empresas agora são do povo
suas terras são floresta de novo
suas mansões, escolas
seus soldados mortos pelos nossos
quero ver cê falar com o gogó na forca agora
Nessa música, ela rima sobre um ideal revolucionário em meio a batidas distorcidas de funk. Levantando um dos principais pontos do álbum além da narrativa: a produção. Passeando por uma diversidade imensa de gêneros brasileiros, Don L consegue sintetizar cada um deles em suas músicas, onde uma por uma se estende ao longo de 49 minutos bem distribuídos entre 3 interlúdios, os quais contém o registro vocal de um pastor pregando em uma igreja pentecostal — marca registrada do avanço dos interesses de grupos religiosos dentro das comunidades em todo Brasil.
Ao mesmo tempo que é experimental, Roteiro para Aïnouz (Vol. 2) não deixa de ser acessível. Dos versos compostos que casam muito bem ao lado das melodias, até a inteligência do artista em dar sentido às suas mensagens, nada aqui parece ser em vão. De Frida Kahlo a Kim Jong-Un, Don L não teme coisa nenhuma ao citar o nome de grandes revolucionários comunistas, isso em momento onde no Brasil, professores são advertidos e militantes presos por tocarem no assunto que mais desagrada o governo e seus simpatizantes espalhados por todos os cantos.
Trazendo a realidade, expondo a sua luta e cantando com coragem, Don L, em Roteiro para Aïnouz (Vol. 2), é capaz de oferecer uma virtuosa evolução artística e pessoal. Seu trabalho é humano, é a comunidade, é os movimentos que ele cria e acima de tudo, é o fruto de um material de estudo rico sobre resistir e lutar. Talvez, por isso, Don L esteja mais seguro e confiante do que nunca, afinal de contas, ninguém faz como ele, ninguém é tão intenso e verdadeiro como ele.