Existe um conceito amador no campo da psicologia chamado “adolescência tardia” — ou, ainda, “segunda adolescência”. Essa ideia é usada para descrever um fenômeno que ocorre na comunidade LGBTQIA+, quando um indivíduo tem uma mentalidade e perspectiva de um adolescente mesmo já estando na vida adulta. Isso decorre de toda pressão social que essas pessoas sentem durante sua adolescência, não permitindo que elas tenham um desenvolvimento usual, fazendo com que, assim, suas experiências de formação psíquica não ocorram concretamente até sua idade adulta. Em um exemplo prático, não é irreal ver que grande parte dos homossexuais só começam a se relacionar amorosamente e sexualmente depois dos seus vinte e poucos anos, justamente na mesma época que começam frequentar festas, consumir drogas e, também, sofrer quando seus relacionamentos terminam. Por mais que nos últimos anos, o conhecimento dessa ideia e o ambiente “menos agressivo” tenham permitido com que essa concepção tenha entrado numa movimentação de ré, ainda há um longo caminho.
Na última década, Troye Sivan foi um dos únicos cantores da comunidade que estava ciente dessa “adolescência tardia” e usou isso como um elemento estrutural para sua discografia. Seu álbum de estreia, Blue Neighbourhood, de 2015, foi lançado quando Sivan tinha seus vinte anos, mas suas canções refletem o sentimento de alguém mais novo e imaturo para lidar com a vida. Na trilogia homônima do álbum, formada pelos singles “Wild”, “Fools” e “Talk Me Down”, Troye narra um enredo dolorosamente verídico: ele se apaixona por um amigo de infância, esse que tem que lidar com seu pai homofóbico e, para isso, se força ser heterossexual. No segundo álbum do australiano, Bloom, de 2018, ele optou por explorar sua sexualidade, percebendo ela como um elemento essencial da formação de qualquer indivíduo, além de ter se permitido explorar novos visuais: no clipe da faixa-título, Troye assume um ponto de vista quase andrógeno, honrando os cânones de David Bowie e Queen.
O terceiro álbum de Troye, Something to Give Each Other, chega depois de cinco anos do seu antecessor e muita antecipação. Esse é o disco mais decisivo da carreira do cantor. Isso, no entanto, não se dá pelo seu som — o mais ousado e refinado que ele já fez —, mas sim pela mudança de perspectiva. Se antes, as canções de Sivan reconheciam sua prisão dentro da adolescência tardia, essas novas músicas dão um último abraço nela e finalmente mostram um ponto de vista de um homem gay pronto para seguir em frente, pronto para, enfim, atingir sua vida adulta. Em outras palavras, em Something to Give Each Other, Troye dá um último vislumbre de sua late adolescence, ponderando ela não apenas como uma sina, mas também como uma amiga, essa que permitiu a construção de uma trajetória inegavelmente singular e madura.
Os dois singles que antecederam o lançamento do álbum pareciam direcionar o registro para uma trilha diferente da que foi seguida. “Rush”, o lead single de Something, é uma das canções mais aceleradas de Sivan, sustentada fundamentalmente pela exploração da sexualidade. Em projetos passados, Troye já havia mostrado essa faceta, como em “Bloom” e “My My My”, mas em “Rush”, a exaltação sexual deixa de ser um sinônimo de individualidade e atinge as esferas comunitárias. No videoclipe da música, referências da comunidade LGBTQIA+ pulam na tela em todo momento: glory hole, vogue e nudez. “Got Me Started”, em conjunto, usando um sample icônico, ainda que saturado, do meme de “Shooting Stars“, de The Bag Raiders, é uma declaração amorosa visceralmente simples e sensual, mas também honesta: “Boy, can I be honest? / Kinda miss usin’ my body”.
No entanto, a questão é que, embora essas duas faixas tenham sim embasamento no material anterior de Sivan, elas representam a inserção do cantor no momento mais maduro na vida de um homem gay — o senso de comunidade, autoconhecimento em plenitude e autoestima parecem ultrapassar qualquer conceito de relacionamento com potencial de destruição. O ponto, porém, é que Something, diferente do que se imaginava, não é sobre esse instante pós-“adolescência tardia”, mas sim a passagem dela para uma nova fase. Nesse sentido, as faixas-chave do disco são aquelas que mostram Troye largando seu ponto de vista inferiorizado ou aquém das situações e assume uma postura mais forte. “One Of Your Girls”, por exemplo, é uma canção em que Troye assume a possibilidade de ser tratado como uma garota para ficar com um rapaz. No clipe, ainda mais polêmico, Sivan aparece fazendo crossdressing. No entanto, o conjunto soa mais como uma ciência de problemática e crítica do que uma simples submissão: os elogios (“Everybody loves you, baby / You should trademark your face”) são quase um deboche e a movimentação é consciente (“Say what you want, and I’ll keep it a secret”). No passado, seria plausível conferir o australiano nessa posição, mas seu comportamento agora é mais político.
Toda metamorfose, no entanto, é pautada mais por onde você estava do que, propriamente, para onde você está indo. Something ainda tem as mesmas canções “Troye-Sivanianas”, mas agora trabalhadas em camadas mais luxuriantes. “What’s The Time Where You Are?” tem sua dose de R&B e house, mas na composição ainda exista uma exaltação dos detalhes na construção de um relacionamento. O produto é um hino para uma boate sensualmente sentimental. “Still Got It” e “Can’t Go Back”, por sua vez, são faixas que relembram os pormenores de um relacionamento passado, ambas em sintonia com o estilo de composição de Mitski: rápido, mas certeiro. “In the morning / Your hands around my waist, just us two / In the evening / On my mouth, could you still taste him?”, ele canta na segunda. Embora essas músicas sejam menos revolucionárias, elas são objetos de maior controle.
“Honey” é uma das melhores músicas que o cantor já escreveu. Embora sua sutileza se dê pela fluidez de uma carta destinada para um possível pretendente (“And I’ve learned so much about you / Don’t know your name, that’s something we’ll get to, yeah”), o que é genuinamente especial é sua dualidade. Por mais que seu foco seja um elemento exterior, o reconhecimento de sua singularidade interior é o que sustenta sua declaração: “I don’t pray a lot, God knows / But I’m callin’ in favours like I believe”, Sivan canta. Essa e a próxima música, “How to Stay with You”, encerramento do disco, com seus sonhos de longa data (“Maybe when we’re a little older / We can set up shop”), sustentam o fim da adolescência e a perda da inocência, mas não uma inocência sexual ou melodramática, mas sim uma que revela que a vida pode ser muito mais simples do que parece. No final de Something, Troye entende que merece ser amado. Ele não vai apenas sonhar com isso, mas também lutar por isso.