SOUNDX

1989

• Big Machine

• 2014

9.0

Para celebrar seu terceiro relançamento, hoje, na SoundX, faremos uma análise profunda e crítica do quinto disco de estúdio de Taylor Swift, seu trabalho mais pessoal até hoje.

1989

• Big Machine

• 2014

9.0

Para celebrar seu terceiro relançamento, hoje, na SoundX, faremos uma análise profunda e crítica do quinto disco de estúdio de Taylor Swift, seu trabalho mais pessoal até hoje.

PUBLICADO EM: 22/10/2023

PUBLICADO EM: 22/10/2023

Em janeiro de 2014, Taylor Swift perdeu o prêmio de álbum do Grammy. Embora Red (2012), ao longo dos anos que se sucederam, tenha provado seu valor, toda situação foi relativamente cômica: o quarto álbum de Swift estava concorrendo com o vencedor Random Access Memories (2013), de Daft Punk, e na hora que Alicia Keys, Yoko Ono e Olivia Harrison anunciaram o vitorioso, por um instante de segundo, Swift havia achado que tinha sido ela. Quase dois anos depois, em uma entrevista para o Grammy Pro, Taylor disse que, depois da derrota, ela deixou de lado todas as festas e foi para casa comer um hambúrguer, enquanto chorava. Mais tarde naquela noite, ela acordou com uma premonição: seu próximo disco seria um álbum pop e chamaria “1989”. “E eu não iria dar ouvidos a ninguém da minha gravadora”, ela também exclamou. 

Embora 1989 tenha sido o quinto disco de Taylor e tenha tido uma frustração profissional como seu estopim, o sentimento que ele representa pode ser traçado desde a infância de Swift. Não estou pontuando isso apenas para dizer que o título do disco é uma homenagem ao ano de nascimento da cantora, mas sim destacar o mérito de misericórdia com o próprio passado da artista. Em 2014, ela disse em uma entrevista que nunca havia se sentido, nenhuma vez, “ousada, legal ou sexy”. Principalmente seus primeiros três discos, com suas estéticas country de boa menina, colocavam ela à parte das tendências que se desenrolaram na época: cantoras como Lady Gaga, Katy Perry, Kesha, Nicki Minaj e Britney Spears, que, de alguma forma, foram contemporâneas de Taylor na passagem dos anos 2000 para a década de 2010 e constantemente apresentavam abordagens mais sexualizadas em suas apresentações, ao passo que Taylor, em seus dias mais ambiciosos, balançava seu cabelo freneticamente, enquanto carregava um violão em suas mãos. Em suas canções, Swift quase sempre era a vítima da história, uma personagem melodramática carregadora de todas as dores. Indo ainda mais além, ela foi alvo das garotas populares de sua escola por ser a jovem que preferia botas de cowboy aos acessórios da moda. Embora sua imensa popularidade, Taylor não só se sentia como uma outsider, mas também se pintava como uma.

Isso meio que mudou com 1989. Nessa era, como as pessoas gostam de chamar, Taylor não só assumiu uma persona de imagem mais firme perante o que era visto como uma mulher confiante para aquela época, mas também começou a se tratar como uma. Em outras palavras, ela finalmente começou a se sentir uma das garotas populares. Existe até mesmo um episódio curioso sobre a escolha da capa: Swift já havia decidido a arte para o encarte do disco — um retrato tirado em polaroide —, mas ainda assim não parecia boa o suficiente. Olhando todas as outras fotos do ensaio, uma em específico chamou sua atenção: uma imagem dela em uma parede bege, com seu rosto cortado no meio, mostrando apenas seus lábios entreabertos. “Por alguma razão que desconheço, é a foto mais intrigante que já vi. Acho que é o mistério de não ver meus olhos. Talvez pareça legal sem esforço”, ela disse. Essa movimentação era uma metamorfose planejada, ainda que natural: se antes Taylor se esforçava para dizer o quão deslocada ela sentia, com 1989 ela fez ainda mais questão de mostrar que estava no topo do mundo. 

O curioso, no entanto, é a forma pela qual Swift transicional para o pop, bem como a estética sonora que ela escolheu. Sua abordagem foi menos convencional quando comparada com suas colegas de indústria. Os trabalhos daquela época — Teenage Dream (2010) e Prism (2013), de Katy Perry; e Born This Way (2011) e Artpop (2013), de Lady Gaga,  por exemplo — carregam a herança do som dos anos 2000, orquestrando seu estilo em cima de um estilo totalmente eletrônico — algo que vinha sendo carregado desde os discos de Britney Spears, Justin Timberlake e Nelly Furtado. Para 1989, todavia, Swift foi pioneira ao arquitetar um disco pop daquele período que olhasse para o passado. Nesse sentido, toda identidade visual e sonora do registro bebe da música de meados e final dos anos 1980: sintetizadores, baterias, saxofones, trompetes e palmas são os elementos cruciais nessa sedimentação. No lançamento do álbum, o New York Times escreveu que: “Mas, ao fazer pop quase sem referências contemporâneas, Swift está almejando algo ainda mais alto, um modo de atemporalidade que poucas verdadeiras estrelas pop sequer se preocupam em aspirar”. Quase uma década depois, a influência de Swift foi clara ao constatar trabalhos como EMOTION (2015), de Carly Rae Jepsen, e After Hours (2020), de The Weeknd.

Para seguir esse caminho, entretanto, Taylor repaginou por completo sua equipe de produtores. Embora ela já tivesse trabalhado com Max Martin e Shellback em Red, em 1989 eles chegaram como elementos estruturais da produção. Para além desses, Ryan Tedder, que havia trabalhado com Adele e Demi Lovato nos anos anteriores, também entrou para o grupo. Porém, a adição mais pertinente foi Jack Antonoff, com quem Swift já havia feito uma canção no passado, “Sweeter Than Fiction”, e que se tornaria seu colaborador de longa data. Não apenas concretizar uma estética almejada, esse novo time trazia também um sentimento propositalmente high profile.

Tudo isso apenas para Taylor Swift deixar claro, uma vez por todas, que ela poderia ser legal, divertida e popular da forma idealizada — mas, mais ainda, para afirmar isso para ela mesma. Red, de dois anos antes, havia recebido sua boa dose de críticas, e, de certa forma, 1989 foi uma resposta direta para todas elas. Neste álbum, Swift se afasta de sua ingenuidade, adotando uma atitude de indiferença perante essas críticas, na maioria, sexistas, assumindo um certo poder. Ela também trata seus términos de forma mais madura, geralmente contida e mais sutil, em contraste com as expressões melodramáticas de seus álbuns anteriores. Além disso, Swift passa a enfatizar a importância da sororidade, ao passo que assume a vida agitada cosmopolita de celebridades como sua ambientação. Esse é um registro cinematográfico no qual o protagonista deixa de ser as relações interpessoais e passa a ser a própria Swift. 

“Welcome to New York”, canção de abertura, já denota as tonalidades do álbum. Essa foi a primeira canção de Taylor a receber o nome de um lugar, bem como é sua única música até hoje responsável por, justamente, ambientar diegeticamente a narrativa. Se seus álbuns anteriores poderiam ser universais, no sentido de que poderiam funcionar em qualquer lugar, 1989 é inegavelmente nova-iorquino — ou, pelo menos, metropolitano. Nesse sentido, “Welcome to New York” carrega esse sentimento de energia, movimento e comunidade, que, posteriormente, perpassa todas as canções do registro. Ouvindo essa canção em retrocesso, me lembro de “Mean”, de Speak Now (2010), em que ela afirma em resposta a um crítico: “Someday I’ll be living in a big old city”. O que era um sonho, inicialmente, tornou-se uma conquista.

O interesse de Taylor pelo pop traça-se desde seu primeiro álbum, quando “Teardrops on My Guitar” recebeu uma versão com menos cordas e mais sintetizadores para ser comercializada mais facilmente nas rádios. Speak Now e Red, com canções como “Better Than Revenge” e “I Knew You Were Trouble”, por sua vez, foram passos mais ousados em direção ao gênero. 1989, nesse sentido, é uma progressão orgânica. “Blank Space”, com seus versos e refrões extremamente longos, ainda se mantém interessante pelas batidas demarcadas e agudas de sintetizadores. “Shake It Off”, com seus trompetes, saxofones e palmas, é facilmente uma das faixas mais divertidas da história. “How You Get The Girl”, por sua vez, é uma peça escondida no disco, que dá continuidade para o processo de contar histórias detalhadas, sem necessariamente sacrificar seu ritmo. Em outras palavras, essas foram canções que, inicialmente, soaram genuinamente diferentes de todo material que Swift havia feito até ali, mas também conseguiu carregar em seu DNA as principais facetas da artista, seja seu humor, autoconsciência ou habilidade de contadora de histórias. 

Embora essa certa familiaridade com o pop e o fato de que todos os grandes amigos de Taylor da época estavam inseridos nesse cenário, com 1989, a cantora entregou um registro que levava o gênero para um novo nível de finesse. Além dessas faixas que, embora não conversavam diretamente com o que estava sendo feito na época, ainda tinham elementos que, de certa forma, ainda estavam conservados dentro do mainstream; em outros instantes, Swift subverte totalmente essa lógica, entregando canções advindas diretamente de outra época. “Style”, uma obra-prima e um quase art-pop, é a melhor canção  do álbum, não somente pela sua produção sutil e imaginário vivo, ambos apostando em uma face elegantemente mais sensual (“Takes me home, the lights are off, he’s taking off his coat”), mas também por sua estrutura: por mais que o refrão seja jogado para mais de um minuto de duração, diferente dos costumes, a canção ainda consegue ser cativante justamente pelo suspense. “I Wish You Would”, por sua vez, tem um dos instrumentais mais ousados do álbum, com mixagens de drums, snares e kicks abstratamente calculadas. “I Know Places”, com seus sons de gravações de fita cassete representando o aspecto voyeur da sociedade em cima de um relacionamento de celebridade, é pop vintage totalmente metafórico: “They are the hunters, we are the foxes, and we run / Just grab my hand and don’t ever drop it, my love”, ela canta. 

Por mais que 1989 seja seu álbum visto como o trajeto mais distante de seu eu-lírico, ele é seu trabalho mais pessoal. Novamente, isso não porque ele carrega a data de nascimento da cantora, mas sim porque suas autoanálises não serem apenas por lentes de compaixão consigo mesma. “Shake It Off” reconhece suas falhas, ao passo que “Blank Space” assume uma personagem fictícia midiática: uma mulher insanamente apaixonada por todos os homens que já se relacionou, disposta a fazer tudo para ficar ou acabar com eles. No passado, Swift teria tomado essas críticas de forma mais agressiva: ela teria se vitimizado e rebatido com alguma canção — novamente “Mean”. Mas em 1989, ela apenas usa isso ao seu favor, sendo material de deboche ou de construção de enredo criativo. O ponto alto, no entanto, é “Clean”, a primeira canção dela a tocar no assunto de sua depressão. Embora as batidas da canção relembre o toque de um celular, essa é uma faixa sobre libertação. “The water filled my lungs, I screamed so loud / But no one heard a thing”, ela canta, fazendo-se vulnerável sem propriamente de vitimizar da forma de que sempre fez — talvez pela canção pôr em direção o amadurecimento e reconhecimento de sua própria identidade do que uma simples vingança. 

Embora 1989 tenha adaptado suas narrativas para as métricas do pop, ele ainda carrega uma herança do legado composicional de Swift. Isso fica claro na estrutura de “Blank Space”, que, por mais que seja uma das canções mais memoráveis da última década, ainda traz cenas de filmes ao longo de suas estrofes quilométricas. “Wildest Dreams”, com seus reverbs quase épicos, transforma momentos de intimidade em desejos carnais de escapismo. “This Love” é totalmente abstrata, com imagens nebulosas que captam sentimentos em essencial ao invés de momentos cinematográficos: “This love is good, this love is bad / This love is alive back from the dead / These hands had to let it go free, and / This love came back to me”, ela canta. “Out Of The Woods”, por fim, é a convergência desses dois lados: imagens de um casal sentados no sofá viram pesadelos conturbados com plot-twist de catarse melodramática (“But the monsters turned out to be just trees”). 

Toda a trajetória da Era 1989, do começo ao fim, foi, na maioria, dourada. Em 2016, Taylor ganhou o Grammy de álbum do ano por 1989, o mesmo prêmio que ela havia perdido por Red dois anos antes. No entanto, o período pós-1989 não foi tão agradável: poucos meses depois do famigerado discurso de Swift no Grammy, comentando indiretamente a canção “Famous”, de Kanye West, Taylor foi exposta e toda internet foi a loucura, chamando ela de cobra e falsa por supostamente mentir sobre seu conhecimento da música. Por um ano, Swift ficou desaparecida da mídia e Reputation, de 2017, foi sua resposta morna e desengonçada para toda situação — que serviu apenas para mostrar que ela funcionava em potência máxima quando estava mais preocupada em se importar consigo mesma do que para o que os outros pensavam dela. “New Romantics” é uma canção presente apenas na versão deluxe de 1989, mas, de certa forma, encapsula todo seu sentimento com perfeição. “We’re so young, but we’re on the road to ruin” pareceu uma premonição, mas “I could build a castle out of all the bricks they threw at me” seria a visão ao longo prazo. Quase dez anos mais tarde, o castelo de Swift está mais impenetrável do que nunca e suas canções deixaram de ser simples diários momentâneos para coexistirem anacronicamente. Se você precisar de uma música para chorar, Swift tem, mas 1989 vai te fazer dançar a noite toda. 

MAIS CRÍTICAS PARA

Com cinco novas canções e nenhuma colaboração, 1989 (Taylor’s Version) balança entre fidelidade e adições bem-vindas, apresentando-se como a regravação mais dinâmica até agora.
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