Vislumbrar o lançamento de 1989 quase uma década depois é compreender esse registro como algo além de um ponto-chave de uma progressão orgânica de uma carreira que, gradualmente, se consolidava, mas também como uma quebra brusca de personalidade. No prólogo da quarta regravação do quinto álbum de estúdio de Taylor Swift, ela mesma concorda com isso: ela começa contando sobre um episódio no qual, em um camarim londrino, ela decidiu cortar seus longos cabelos, enquanto estava cercada de seus amigos mais próximos. O que a princípio era um ato comum, para ela era uma mudança repentina de fase, tão agressiva que ela viu esse ato como uma reinvenção e, consequentemente, levaria a 1989. Toda essa cena parecia advinda de um filme hollywoodiano construído por Swift em sua cabeça em uma época em que ela ainda tinha um desejo incontrolável de ser “legal”: finalmente ela era uma das garotas populares em festas sem sentido em que todos se amavam. Enquanto as tesouras passavam pelos cabelos, todos estavam rindo e aplaudindo.
Se 1989 foi o ponto mais alto da carreira de Swift e tenha sido seu reinado imperial — embora isso esteja aberto para discussão com todo desempenho de Midnights no último ano —, 1989 (Taylor’s Version) é a manutenção e a reafirmação disso. Com cinco novas canções e nenhuma colaboração, a quarta parte do projeto da cantora de reconquistar os direitos autorais de suas músicas é sua reedição mais dinâmica: ao passo que tem os instantes mais fiéis ao original de todas as regravações, conta também os momentos mais diferentes até agora. Quanto as canções do cofre, embora soem deslocadas grande parte do tempo, ainda tem um brilho que faz com elas se sustentem de maneira autônoma. Conflitante dentro de suas próprias barreiras, 1989 (Taylor’s Version) mostra-se como a regravação mais direta e com potencialidade de atemporalidade.
Por mais que todas as outras gravações lançadas até agora tenham seus momentos em que divergência tenha sido um sinônimo — lembro da nova versão de “Girl At Home”, do quarto disco da cantora, tenha ganhado uma roupagem totalmente nova —, 1989 (Taylor’s Version) é o registro em que isso se faz mais presente do que nunca. São vários os momentos em que os instrumentais e as interpretações de Swift ganham uma nova formulação — e também, são vários os instantes em que essas mudanças são bem-vindas. Em “Welcome to New York”, os sintetizadores de abertura soam mais robustos, dando uma estrutura mais potente para canção, fazendo dessa uma das aberturas mais marcantes da carreira da artista. Passando para “Blank Space”, as batidas parecem direcionar mais para um rock analógico do que com um pop sintético, ao passo que as guitarras de “Style” e “I Wish You Would” abandonam o aspecto abafado e passam a soarem mais limpas do que nunca — o que, esteticamente falando, é um incremento ao passo que, ao soarem mais detergidas, também deixam de lado uma faceta mais perfeccionista.
Além disso, algumas dessas músicas parecem ter ganhado novos elementos que nunca existiram. Ouvindo essa nova versão de “Out of The Woods”, só conseguia pensar nas pinceladas de sintetizadores cristalinos espalhados pela faixa, como se fossem um puxão em cordas de uma pedal steel, dando um toque mais fantasioso para a canção. No entanto, é a interpretação que também ganha novas dinâmicas. Em “Blank Space”, uma risadinha no começo da canção intensifica a adoção caricata de uma figura midiática, ao passo que os vocais de “Style” brincam em tons mais sensuais, aumentando a intensidade da atmosfera, principalmente no segundo verso. Essas jogadas mimetizam uma maior maturidade performática: os vocais de “Clean” soam mais espaçados e densos do que nunca e “Bad Blood”, finalmente, demonstra uma cantora que realmente entendeu que está tudo bem odiar outras mulheres se elas te fizeram algum mal.
Por outro lado, não é sempre que essas mudanças funcionam. Olhando para as outras regravações, principalmente Red (Taylor’s Version), de 2021, grande parte das reclamações são acerca da ausência de Max Martin e Shellback de volta na produção — o que, honestamente, está longe de ser uma justificativa plausível, já que o processo criativo na criação dessas releituras é mínimo. Em 1989 (Taylor’s Version), embora o problema não seja a carência dos dois produtores, os problemas parecem um pouco mais latentes do que nas outras três releituras já lançadas. Em “Shake It Off”, por exemplo, tudo soa limpo e cristalino demais, tirando um pouco das imperfeições que sintonizavam com toda energia da canção — para além desses “uh”s presentes na ponte da faixa. “New Romantics”, por sua vez, perdeu um pouco do brilho, em parte pelo amadurecimento de sua voz — antes, todas essas músicas foram pensadas para vocais em soprano, mas agora a voz de Swift é mezzo-soprano — e pela forma que esse entrave foi contornado: efeitos de distorções de voz, em certas partes, substituem notas mais agudas. Mas, no final do dia, para pior, ou melhor, este foi o caminho mais justo que tinha para ser seguido.
Há alguns instantes, entretanto, que as mudanças são tão mínimas que essas novas versões passam quase despercebidas como releituras. Vale ressaltar que, claro que os vocais de Swift e a produção estão mais encorpados, mas essa é uma história que já foi discutida tantas vezes que é sem propósito resgatar nessa altura. “All You Had To Do Was Stay”, por exemplo, é a regravação mais fiel ao material original até agora, sendo mais preciso que o que foi feito em Fearless (Taylor’s Version), de 2021. “Wildest Dreams” e “This Love”, lançadas anteriormente como singles ao longo dos últimos anos, soam mais sonhadoras, com forte acrescento de reverb, mas estão longe de causar qualquer estranhamento. “Wonderland” e “How You Get The Girl”, duas peças esquecidas, usam da produção fiel, mas mais potente, para ter uma chance de, finalmente, brilhar. Até mesmo se você ponderar sobre “I Know Places”, com efeitos de televisão ligando e desligando sendo totalmente substituídos, ainda o resto da canção é magicamente reproduzido.
Diferente do que aconteceu com as demais regravações, as canções do cofre de 1989 são as únicas que soam fora de sintonia com seu respectivo registro. Em outras palavras, a sensação é que essas cinco novas músicas são um conjunto a parte do restante do álbum. Em partes, isso acontece porque essas canções foram pensadas em períodos de transição — entre Red e 1989 —, mas, principalmente, pela influência que o alternativo de Folklore e Evermore tiveram na criação de seu material pop — visto em Midnights, do ano passado. No primeiro caso, “Say Don’t Go”, uma das melhores canções do cofre já lançadas, por suas cordas, parece mais um descarte do sentimentalismo country-pop de Red (Taylor’s Version) do que algo metropolitano de 1989. No segundo, a atmosfera de “Slut!” relembra “Mirrorball” e “Labyrinth”, ao passo que “Suburban Legends” tem o mesmo sintetizador cintilante de “Bejeweled” e o estilo de composição mais complexo, visto nos trabalhos da cantora pós-Lover (2019). “Is It Over Now?”, uma dos pontos mais altos de sua carreira, é o instante mais em sintonia com 1989, tanto por sua composição que remonta cenas imagéticas com maior força e sua produção que realmente parece dialogar com outras canções do álbum. Claro que, de modo geral, há presença de elementos oitentistas em todas essas canções, principalmente nos detalhes e elementos de base, mas isso ainda não é suficiente para fazer com essas músicas se sustentem como “algo do 1989”.
Revitalização e regravações estão longe de ser um processo necessário para cristalizar uma obra no tempo. Olhe para os projetos quase amadores dos anos 1970 e 1980, que, mesmo com sua qualidade técnica inferior aos padrões até mesmo da época, ainda conseguem ser discos com potencial de trilhar instantes da vida contemporânea. Os propósitos de Swift, por outro lado, são pessoais e mais honestos, ainda que seu percurso nem sempre seja o mais nobre e justo — as façanhas da cantora para vender mais de um milhão de cópias em sua semana de estreia com um registro já trabalhado e retrabalhado várias vezes soam um pouco off. De qualquer forma, todas essas novas versões, com suas melhorias e inferioridades, apenas mostram que as canções de Swift são as primeiras dessa geração que irão se cristalizar no tempo.