Quando Juliette lançou seu primeiro projeto musical, seu EP autointitulado, em 2021, grande parte de sua diegese parecia inorganicamente fabricada. Naquela época, fazia poucos meses desde que a jovem havia vencido a edição brasileira do Big Brother e tinha saído do programa com quase 25 milhões de seguidores — os quais criaram empatia pela persona excluída pelos outros participantes e que usava música como forma de escape. Sua vitória foi celebrada não apenas pelo grande público, mas pelas personalidades já conhecidas também: não demorou muito para que Anitta se tornasse uma amiga íntima de Juliette e começasse a agenciar sua carreira. O ponto em questão, no entanto, é que grande parte dessa história começa antes mesmo do encerramento do BBB e da vitória da nordestina: as canções que compuseram o primeiro trabalho de Juliette já haviam sido escritas e orquestradas antes mesmo da moça sair da casa, direcionando os próximos passos dela para um star-system quase que instantâneo: quanto mais rápido Juliette lançasse um registro e mais rápido espalhasse suas raízes, mais lucrativa ela seria.
O resultado é que: Juliette foi um desastre. Inspirado por composições enxutas e rasas que aterrissaram em estereótipos baratos da cultura nordestina, o EP soava muito mais como uma tentativa de imaginar uma Juliette inventada, do que refletir sobre o que a cantora realmente era. Claro, isso na maioria por culpa de Anitta e seu agenciamento, que apenas engataram na marcha da inércia da imagem que Juliette havia construído no programa, mas que em momento algum realmente demonstrou ser seu foco artístico — se é que ela tinha esse interesse, em primeiro lugar. Canções como “Diferença Mara” e “Bença” rapidamente tornaram-se um marco de dois mundo: de um lado, parte do público que genuinamente acreditou no material; do outro, aqueles que entendiam que: “E o preconceito, eu só engulo com farinha” não é muito bem uma cartada de mão-cheia.
Dois anos se passaram e Ciclone é o primeiro álbum de Juliette. O disco tem apenas nove canções, que se estendem para pouco mais de vinte minutos de duração — não é muito mais do que foi apresentado no EP há dois anos e está longe de ser o suficiente. No entanto, em sua essência, Ciclone é o projeto que Juliette deveria ter sido: um conjunto de canções que atiram para um autoconhecimento — ainda que breve e raso — de sua própria história, mas que também vislumbram sobre a potencialidade de uma nova vida. Claro que suas composições ainda têm seus instantes de brincadeiras que precisam de lapidações e seu som ainda paira no genérico e usual, mas, pelo menos, Juliette soa mais como a artista que ela realmente gostaria de ser, do que a artista fabricada que esperaram que ela fosse ser.
Ciclone pode ser dividido entre dois conjuntos de faixas: no primeiro, as canções solo, que, em sua maioria, são mantras de autoafirmação para Juliette, seus fãs e aqueles que ainda a criticam. Talvez haja uma certa datação nessas faixas, já que grande parte dos problemas que causariam dor de cabeça para a cantora foram perdendo força ao longo dos últimos dois anos — ou estão apenas na cabeça daqueles em que o problema principal é a artista e não seus atos e comportamentos. Do mesmo lado, é difícil acreditar que nesse tempo Juliette tenha passado por tantas dificuldades, desde que assumiu o estrelato, ao ponto de ter essa necessidade constante de reivindicar sua própria força — mas ainda assim, um esforço mais do que válido. Na canção de abertura, em cima de um ritmo que mescla a cultura nordestina com tonalidades caribenhas em meio urbano, ela canta: “Até quando vai ficar me testando? / Até porque não tenho nada pra provar / Até quando vai ficar esperando meu tombo? / Cê vai cansar de esperar”. Toda mixagem soa um pouco off, mas ainda não é difícil ver essa peça como um sucesso em potencial. Mais tarde, na sintética “Ninguém”, o desejo de seguir em frente é maior que a força daqueles que tentam te parar; e “Diamante” deixa de lado um vitimismo saturado pela lente de reconhecer seu valor independente dos outros: “Eu sou de areia, de pedra, de rocha / Eu sou brilhante, pedra preciosa”. Está longe de ser o tipo de canção que cria qualquer identificação mais profunda, mas ainda assim é um caminho mais sólido.
Do outro lado, as colaborações edificam uma estrutura menos preocupada com análises, mas sim com aproveitar uma nova persona emergente. No set, temos desde os queridos do Brasil, como Dilsinho e João Gomes, que entram no corte pela preocupação em atrair um público ainda mais para produção de Juliette, mas também aqueles que ainda caminham para uma fama mais expansiva, Marina Sena e Nairo. Com uma produção minimalista, mas sutilmente inspirada pelo tecnobrega, “Quase Não Namoro”, com Sena, é sensualmente cativante e fluída. “Nós Dois Depois”, com Dilsinho, e “Beija Eu”, com Nairo, são duetos bem equilibrados, ainda que suas produções sejam datadas, um pouco como algo dos anos 2000. Por outro lado, “Não Sou de Falar de Amor”, colaboração com Gomes e com seus puxões mais fortes da música nordestina, é a menos pertinente, principalmente por João não adicionar nada de interessante no resultado. Tirando a colaboração com Sena, seria preferível descartar todas as outras em troca de faixas solos, visto que é inegável a simplicidade negativa dessas músicas — provavelmente devido à dificuldade de conciliar a agenda dos artistas.
“Tengo” é a canção de maior sucesso do disco por agora, mas é também a pior. Isso porque é a canção que menos soa como Juliette e sim algo que seria fabricado em um star-system — de fato, essa canção parece um descarte de Anitta do que uma criação de Juliette. Essa pegada latina com toques de funk — há referências nordestinas, mas elas parecem soltas e abafadas demais — na sonoridade e composição que mescla o português com espanhol parece o produto de sucesso necessário que salvaria o registro de ser um total prejuízo. Já na faixa-título do álbum, Juliette canta: “Eu quase enlouqueci tentando te entender”. Embora, em sua camada mais alta, as palavras sejam direcionadas para um ex-amante, em análises mais ousadas, pode ser uma mensagem para si mesma. No final, existe beleza em tentar encontrar o que faz de você, você.