Com a estreia de vários artistas diferentes acontecendo ao mesmo tempo, acompanhar todos os lançamentos se torna uma tarefa impossível, muito desgastante e pouco recompensadora. A maioria acaba não valendo o nosso esforço, visto que desaparecem tão rápido quanto surgiram, como fogo ateado na palha. Todavia, há situações especiais que se provam realmente merecedores da nossa atenção, pelo seu enorme talento e também pela alta qualidade dos produtos fornecidos, como é o caso de várias contemporâneas como PinkPantheress e Ethel Cain, duas grandes promessas para o futuro do pop, e, claro, a mais nova grande descoberta, Isimeme Naomi Udu, ou como é popularmente reconhecida, hemlocke springs, que dessa vez nos presenteia com o tão aguardado going…going…GONE!.
Primordialmente, a música não passava de apenas um hobby estressante para Naomi Udu, no qual ela investia a maior parte de seu tempo livre. Enquanto uma colegial tímida, filha de pais imigrantes da Nigéria, Udu sempre se sentiu muito deslocada nos espaços sociais que ocupava, enfrentando diversas questões envolvendo a própria aparência. Entretanto, se aventurando na arte, springs encontrou um meio eficaz para a expressão de todas as suas emoções profundas e obscuras, e foi a partir disso que ela produziu “gimme all ur luv”. Seu primeiro single lançado e um dos fatores cruciais para a sua ascensão no meio underground, a faixa consta com uma produção de bedroom pop e electropop bastante intimista e uma harmonia agradável entre os vocais angelicais da cantora e as passagens líricas no refrão. Nesse sentido, na letra, a artista demonstra sua inteligência ao escrever de forma simples, mas efetiva, sobre um conveniente imprevisto ocorrido em uma típica terça-feira, na qual alguém vai ao encontro dela e nela desperta um desejo de ser finalmente amada e compreendida. Foi, a partir do lançamento desta canção, que springs foi reconhecida por ninguém mais, ninguém menos, que Grimes e teve o seu alcance expandido para novos horizontes.
Porém, assim como falado anteriormente, foi com o single “girlfriend” que hemlocke springs passou a ser popularmente conhecida pelo público. A faixa é uma humilde e entusiasmante produção de electropop, electrocrash e synthpop, cuja sonoridade primeiramente parece não possuir nenhum artifício que a destaque muito, mas, então, conforme o tempo passa, conquista o ouvinte pelo enorme carisma de Udu, a crescente fenomenal que a batida toma e a sua estupenda conclusão, onde springs canta: “Secretly, I’m aiming for a rhythm that exceeds my expectations / Am I ever gonna get it? / Your girl is in the business so there’s little room for idle contemplation”. Inclusive, foi esse específico trecho da canção que se popularizou pelo TikTok. Com esse grande sucesso, hemlocke conseguiu assinar seu contrato com a gravadora Good Luck Have Fun e fazer os preparativos para o lançamento de seu primeiro EP, going…going…GONE!, disponibilizando as incríveis “heavun” e “enknee1”.
Em entrevista para a revista DORK, hemlocke springs fala que as canções incluídas em going…going…GONE! servem como a gravação dos pensamentos e ideias que ela teve durante o período de transição entre a adolescência até a vida adulta, discorrendo desde o desequilíbrio econômico e a grande culpa sentida pelo trabalhador classe média em querer enriquecer num sistema monetário corrupto e falho até às fortes inseguranças de uma adolescente preta, originadas por uma sociedade moldada por padrões estéticos centrados nos ideais racistas dos Estados Unidos. Criado sob tal pretexto, o EP é um trabalho tocante e extremamente pessoal, pelo qual várias pessoas que compartilham semelhanças com a vida dela podem se identificar e ouvir como forma de validar as dificuldades que passam nas suas respectivas rotinas. Entretanto, não de forma pesarosa ou melancólica, mas sim bastante alegre, visto que todo o projeto é bastante dançante e vibrante.
“heavun” e “enknee1” marcam a melhor parte de going…going…GONE!. A primeira canção, respectivamente, parece evocar uma força ancestral da natureza com sua produção épica de electropop e electrocrash e sua instrumentação audaz e fervorosa. É uma música grandiosa e que proporciona um verdadeiro deleite ao ouvinte com a enorme quantidade de detalhes e nuances que possui. E a incrível experiência que proporciona consegue ser melhorada a níveis ainda maiores graças à perspicácia de sua letra, escrita por hemlocke, e as grandes reflexões que faz sobre o capitalismo e o sentimento de culpa atrelado ao desejo inerente do cidadão americano em querer enriquecer numa sociedade sustentada pelo desequilíbrio econômico. Em seguida, a segunda faixa é a mais vulnerável e pessoal de toda a discografia da cantora até o momento. Em sua composição, a jovem fala sobre as enormes dificuldades que passa ao tentar se adequar aos padrões sociais em virtude da própria integridade emocional, enquanto uma mulher preta, se questionando constantemente se há realmente alguém nesse mundo que a possa amar verdadeiramente. Trata-se de um desabafo muito tocante, cujas passagens líricas conseguem condizer exatamente com a realidade de diversas pessoas ao redor do planeta neste exato momento. Entretanto, por mais que tenha um significado tão entristecedor, o ritmo das batidas da canção é bem alegre e agitado, possuindo um desfecho impressionante com o levantamento dos sintetizadores, que trazem bastante euforia e liberdade.
Em suas últimas instâncias, going…going…GONE! acaba perdendo um pouco da sua força. Por mais que estejam muito longe de serem ruins, as faixas inéditas que o projeto traz consigo não conseguem manter o alto nível de qualidade que as demais, e esse problema é grande demais para simplesmente relevar. O ouvinte que esperava ouvir outros momentos incríveis como “girlfriend” ou “heavun” pode acabar se decepcionando um pouco. Porém, não é como se fossem músicas descartáveis ou sem nenhum valor. “pos”, por exemplo, o novo e provavelmente último single de trabalho do EP, é uma extrovertida e descontraída faixa de pop old-school, que junta elementos instigantes de funk e R&B, e “the train to nowhere”, uma música de indie pop com uma interpretação bastante concisa e potente de hemlocke, que adota a postura radical, despojada e rebelde típica dos cantores da cena do rock das décadas passadas.
Após ter sido conferido, going…going…GONE! prova ser digno do tempo que nele fora investido por conseguir suprir devidamente a necessidade do público por um material maior e mais substancial por parte de hemlocke springs. O único grande erro que poderia ser apontado do trabalho que diminuísse seu valor consideravelmente seria apenas o seu formato; visto que se trata apenas de um EP, possui, portanto, poucas faixas incluídas, deixando o ouvinte com um terrível gostinho de “quero mais”. Honestamente, eu diria que a melhor qualidade da obra é a vista maravilhosa que ela nos mostra do futuro de sua detentora. Caso continue seguindo por esse caminho, sempre optando por produções detalhadas e ricas, composições profundas e cativantes, Udu vai acabar conquistando o mundo inteiro.