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Perfect Picture

• PC Music

• 2023

7.7

Um registro brilhante de celebração do encerramento de uma jornada.

Perfect Picture

• PC Music

• 2023

7.7

Um registro brilhante de celebração do encerramento de uma jornada.

PUBLICADO EM: 07/10/2023

PUBLICADO EM: 07/10/2023

Desde que estreou com seu single “Pink and Blue”, lá em 2013, Hannah Diamond fundou-se como um dos alicerces do movimento popular que ficou conhecido como “hyperpop”. Isso se deu não apenas pela sua abordagem musical congruente à de outros visionários da PC Music — sua gravadora e principal responsável pela virada de chave no cenário hipereletrônico —, que visava a utilização de sons agudos, produção vocal esquálida e desnaturada e batidas pop características do início dos anos 2000; mas também pela sua percepção única da realidade que a aproximava do ideal de irrealidade proporcionado pela tecnologia. Por exemplo, concomitantemente aos seus trabalhos como cantora, em incríveis singles como “Attachment” e “Every Night”, Hannah mantinha atividades como diretora de fotografia do seu próprio estúdio, o qual realizou o material visual de diversos artistas da gravadora e de fora dela. A exemplo disso, o ensaio de QT para o single “Hey QT” foi proporcionado por Diamond. A ideia, ali, era criar uma personagem para o comercial de uma marca de refrigerantes — ambas fictícias —, e, com isso, reivindicar para si a narrativa que havia sido utilizada por tanto tempo para desmoralizar a música pop: sim, a música popular é feita para as massas, possui estrutura simples e cativante e, geralmente, um conteúdo lírico simples; e não há nada de errado nisso.

Em fato, o impacto de Hannah sobre a cultura pop ao longo dessa última década é praticamente inegável. A imagem que a cantora britânica de “Fade Away” utiliza desde que iniciou sua carreira é, além de esteticamente bonita, um retrato sincero dos tópicos abordados em suas músicas. Ao longo de suas 26 músicas, Diamond tem como foco a vida moderna na perspectiva de uma garota jovem, comum e permeada pela tecnologia. A exemplo disso, “Hi”, a sua melhor canção, trata de uma particularidade que surgiu, claro, não recentemente, mas que definitivamente teve uma escalada em proporções gigantescas: o relacionamento à distância — entre pessoas que nem mesmo se conhecem. “Feels like I know you / But all I have is your picture”, ela canta sobre apaixonar-se por alguém através das redes sociais. É, nesse sentido, que a identidade de Diamond se fundou: a figura feminina que projeta, em seus ídolos pendurados na parede, a sua felicidade e tenta encontrar sentido na vida virtual provida por um sistema binário. É como se, no mundo fantástico que ela criou, além de ser a sua própria CEO — uma menção à revigorante “Affirmations” —, Hannah se priva das desgraças do mundo e das inseguranças com o próprio reflexo.

Perfect Picture é apenas o segundo trabalho da artista em seus 10 anos de atividade. Mais célere do que seu antecessor, mas ainda tardia a sua chegada, o álbum teve seu primeiro vislumbre liberado com o lançamento de “Staring At The Ceiling”, uma faixa pop característica de Hannah que mostra de pouco a nenhum morfismo em relação aos seus trabalhos anteriores. Isso é bom. Nos últimos tempos, tem se reafirmado a ideia de que a cada era, um artista deve explorar um novo lado de si mesmo, um novo gênero musical, um novo penteado de cabelo, um novo “motivo” para o seu trabalho, até mesmo as cores predominantes da capa do disco parecem ser de extrema relevância para o público — Olivia Rodrigo e o primoroso GUTS sofreram críticas duras por apenas terem o roxo como seu matiz principal. Umabesteira. É bem verdade que uma grande transformação, além de visualmente impactante, pode ser irrevogavelmente um “divisor de águas”, tanto para o artista, quanto para os fãs que embebem-se dessa arte e a incorporam em sua personalidade. Contudo, aceitar que uma música pode ser boa independentemente daquilo que a precedeu é definitivamente libertador. Por isso, quando Diamond diz “Suddenly yesterday seems so far away (Far away) / I hope you reply tonight”, ela não está apenas repetindo a mesma angústia de não ter sua dedicação a um relacionamento online correspondida que transpôs em 2015, mas adicionando a ela novas camadas, por exemplo, a de que a passagem do tempo se torna estendida e extenuante.

Noutros momentos do álbum, a britânica oferece uma visão positiva e otimista da realidade. Em “No FX”, Hannah se depara com um amor que não somente a aceita como ela é, mas que está lá para vê–la florescer: “You’re always there, behind the scenes / Watching me exploring my dreams”, ela diz sobre sintetizadores engrandecedores. Já “Lip Sync” continua a temática abordada anteriormente na qual Hannah conta afirmações positivas para si mesma na esperança de que elas se tornem verdade — ou de que, pelo menos, ela acredite nelas. Por fim, a melhor faixa do disco, “Poster Girl” é um dos melhores singles já lançados pela cantora, na medida em que condiciona um paradoxo entre a materialidade da jovem adolescente que deseja ser perfeita como o seu ídolo e a imaterialidade da garota do pôster que não existe de verdade no mundo real, embora tenha a pele suave, lisa e uniforme. A cantora traça uma conversa indireta entre as duas personagens. Ao passo que uma exclama “Poster girl on my wall / I wanna be just like you / A girl too good to be true”, à outra só resta desejar que toda sua integridade fosse real. O momento mais incrível talvez seja quando a jovem percebe que ao idealizar demais a perfeição, deixa de notar que os defeitos que se apresentam na realidade são a parte que faz a vida valer a pena: “When I focus on what’s perfect / I never notice that it’s the imperfections / In moments that make life so worth it”, 

Enfim, Perfect Picture soa como se a captura de uma foto fosse metódica o suficiente para transparecer sobretudo a realidade tão comum e intrínseca às garotas adolescentes em meio à Internet. No começo de 2023, fomos surpreendidos, no entanto, com uma notícia triste: por meio de um tweet com link para o site da gravadora, a PC Music revelou estar encerrando suas atividades após mais de 10 anos de trabalho. É possível que Perfect Picture seja o último grande lançamento da gravadora, já que nem mesmo o último EP de Namasenda foi liberado sob o selo. Diante disso, parece bastante significativo que após 10 anos de carreira, Hannah feche com chave de ouro aquilo que ajudou a fundar, juntamente à Sophie, à Hayden Dunham e ao A.G. Cook. Este é, em última instância, um registro brilhante de celebração do encerramento de uma jornada.

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