Na década de 1990, com a presença de artistas como Mariah Carey, Mary J. Blige, Janet Jackson e Boyz II Men, a cena R&B norte-americana conquistava mais força, ano após ano. Havia fortes influências do soul e do gospel, herdadas da década passada, e que tornavam os projetos lançados nesse período muito mais vocais e melódicos, e, por vezes, menos dançantes e irreverentes. Comprometida em aproximar o gênero de suas raízes dos guetos estadunidenses e retomar a parceria com o rap e o hip-hop – que cresciam constantemente na época -, Aaliyah faz sua estreia em 1994, com o aclamado e controverso Age Ain’t Nothing But a Number. A partir daí, a jovem estrela estava cada vez mais próxima de se tornar uma das maiores lendas da música. Aos 17 anos, em 1996, a artista se consolidava como a maior promessa para a próxima década e lançava seu game-changer, One In A Million.

Os anos que precederam seu segundo álbum de estúdio foram repletos de grandes feitos para a carreira e problemas pessoais: Aaliyah enfrentou um escândalo midiático por seu controverso relacionamento com R. Kelly, troca de gravadoras, uma turnê mundial e a ascensão repentina de uma adolescente. Os números de seu primeiro disco eram ótimos para uma estreante, e seu sucesso não poderia ser interrompido por turbulências pessoais. Em 1995, ela foi convidada para participar da faixa “I Need You Tonight”, do grupo Junior M.A.F.I.A., composto por rappers como Lil’ Kim e Biggie, o que alavancou sua popularidade no meio do hip-hop/rap. Para trabalhar em seu próximo LP, a artista escalou dois compositores e produtores iniciantes, que, na época, não eram muito conhecidos pelo público: Timbaland e Missy Elliott. Juntos, o trio é lembrado como uma das maiores parcerias da história da música, sobretudo, da história do R&B contemporâneo. O projeto, de forma geral, também engloba elementos do funk, soul e pop – e conta com colaborações de Slick Rick, Treach e Tavarius Polk, além dos colaboradores Rodney Jerkins, Carl-So-Lowe, Vincent Herbert, Jermaine Dupri, entre outros.

One In A Million é lembrado e celebrado até hoje por utilizar de recursos memoráveis e inovadores para a época: o clássico instrumental da faixa-título, por exemplo, é comumente reproduzido e referenciado por diversos artistas do gênero; “Choosey Lover”, sexta faixa do projeto, é uma regravação de uma canção do grupo The Isley Brothers, onde Aaliyah utiliza de sua configuração original e adiciona um trecho remixado, mais rápido e inspirado pelo movimento hip-hop; dentre outros aspectos. Outra regravação dentro do álbum é “Got To Give It Up”, em parceria com Slick Rick, originalmente de Marvin Gaye. Todas as faixas, de certa forma, seguem o mesmo padrão de arranjos e composição instrumental, mas não soam repetitivas. Desde as mais lentas às mais aceleradas, a constância e coerência do projeto o tornam muito envolvente e icônico.

As canções “If Your Girl Only Knew”, “Got To Give It Up”, “Giving You More” e “4 Page Letter”, além da faixa-título, são as que melhor representam o disco, seja pelas batidas envolventes, ou pelos vocais suaves e persuasivos da cantora. Até mesmo durante as mais fracas, como “Never Givin’ Up”, em parceria com Tavarius Polk, o disco se mantém firme e não se torna, em momento algum, cansativo e entediante. Pelo contrário – ao decorrer do repertório, é possível reconhecer os diversos elementos marcantes que influenciaram as gerações seguintes no R&B. Além disso, diversas faixas do álbum já foram usadas como samples, interpolações ou foram regravadas em canções de Drake, Kendrick Lamar, JAY-Z, Nipsey Hussle, The xx entre outros artistas.

De todas as canções presentes no projeto, a que mais se destaca, definitivamente, é “One In A Million”. A marcante combinação dos vocais suaves da cantora, a construção de um instrumental potente e cheio de fluidez, e a composição do duo Timbaland e Missy Elliott, são elementos que transformaram a faixa em uma das mais relevantes da discografia da artista e, certamente, marcou a história do R&B contemporâneo.

Os impactos de One In A Million dentro da indústria são maiores do que se imagina. Talvez o mais significativo seja o lançamento de Timbaland e Missy Elliott ao mundo fonográfico, que vieram a se tornar aclamados produtores e compositores, trabalhando em diversos gêneros. Além disso, artistas de diversas gerações do R&B já apresentaram influências diretas do trabalho de Aaliyah em suas carreiras: Beyoncé, Brandy, Kehlani, Ciara, FLO, Frank Ocean, Rihanna, entre outros. Os efeitos proporcionados pela artista e por seu trabalho iam além da música, influenciando nos campos da moda, produção de videoclipes e na estética urbana – onde a cantora é mencionada como uma das precursoras do movimento “streetwear”, o qual ganhou visibilidade significativa após o primeiro álbum da artista, em 1994. Além disso, a partir de um contrato com a marca Tommy Hilfiger instaurado em 1995, a artista é referenciada como a principal figura do estilo “tomboy” entre o público feminino.

Dentro da própria carreira, o projeto simboliza o amadurecimento da garota de 15 anos que estreou em 1994: as letras ficaram mais honestas e cresciam junto com sua mentalidade, embora existam raros registros de composições assinadas por ela; seu estilo visual se tornou um pouco mais sóbrio e a mídia passou a respeitá-la como uma lenda em desenvolvimento, mas sem estrelismo por parte dela. É fato afirmar que foi esse o trabalho que consolidou a artista como um ícone eterno na música, e ainda trouxe à indústria do R&B/hip-hop elementos sonoros que se tornaram característicos dos gêneros.

Desde o ensaio fotográfico aos videoclipes, a era One In A Million foi marcante até seu último segundo. Não só expandiu os horizontes da artista dentro da indústria, mas também preparou o caminho para o que viria a ser seu disco mais ambicioso e adulto. Entre os anos de 1996 e 2000, Aaliyah protagonizou filmes, como o clássico “Romeu Tem Que Morrer” (2000), e participou de trilhas sonoras marcantes, como a de “Anastasia”, que lhe rendeu uma apresentação no Oscar 1998, e a de “Dr. Dolittle”, onde lançou uma de suas canções mais aclamadas e lembradas atualmente – “Are You That Somebody?”, com Timbaland. “Romeu Tem Que Morrer” também gerou um dos seus maiores sucessos: “Try Again”. Ambas as canções foram incluídas no disco autointitulado da cantora, lançado em 2001.

Ainda em 2001, cerca de um mês após o lançamento de seu álbum autointitulado, o terceiro da carreira, a trajetória brilhante de Aaliyah foi interrompida por um acidente fatal. Seu legado é visível até hoje – seja na música, na moda, na dança ou até no cinema. Mais de 20 anos após seu falecimento, ainda conseguimos compreender que ela era, definitivamente, uma em um milhão.